Crítica | Paixão Inocente
O filme de Drake Doremus começa como um terno retrato de família — literalmente. Paixão Inocente põe Keith Reynolds (Guy Pearce) interagindo com sua esposa Megan (Amy Ryan) e sua filha Lauren (Mackenzie Davis), enquanto esperam o registro de mais um momento do “lindo” álbum de família. Mas algo parece abalar o ânimo do patriarca, ainda que ele tente não explicitar o seu descontentando aos outros membros do clã. Seu olhar é longínquo, voltado para o nada. Keith preocupa-se com o avanço de sua carreira como músico de orquestra, já que um teste se aproxima e ele teme não poder usufruir de maior concentração graças à chegada de Sopphie (Felicity Jones), uma aluna estrangeira de intercâmbio que será alocada em sua casa.
Ao contrário do que mostram as fotos, o equilíbrio do bem estar familiar é muito complicado e tênue. A sintonia é fina e delicada, prestes a ruir a qualquer momento. O que não fica claro é se isto acontece a todo momento ou apenas em momentos decisivos. A tensão que existiria entre o pai da família e a nova estudante não veio de repente: já havia uma clara insatisfação por parte do homem sem que este externasse o que incomodava o seu ânimo. Do mesmo modo, Sophie parece incomodada em estar ali, longe de sua casa, mas o incômodo da jovem parece ser pessoal em determinados momentos, pois esta refuta a figura de mentor que seu professor (Keith) exerce. O desafio à figura autoritária mostra um espírito arredio cuja contestação é a tônica, o que se torna um atrativo aos olhos do entediado mestre.
A trilha de piano marca as paixões comuns a Sophie e Keith, assim como ajuda a mostrar, de pouco a pouco, o que faz o marido se sentir tão deslocado da felicidade familiar que deveria imperar, visto que não há muito contato visual do homem com sua esposa, tampouco comunicação verbal. Seu isolamento como artista coincide com o conjugal, o que o faz divagar sobre quais tentações ele deve usufruir. Mesmo quando os dois conversam, a câmera oferece uma maneira de mostrá-los à distância, seja não enquadrando ambos na mesma cena, seja “cortando” a cabeça de Megan. As conversas são sempre em frases conflitantes; eles dificilmente concordam em algo.
As crescentes frustrações do homem de meia-idade aproximam-no do pensamento da luxúria, fazendo-o temer cair na fascinação da pele macia e alva da ávida e irresoluta aluna. A insegurança da jovem constitui-se de um eficaz afrodisíaco, muito maior do que seria qualquer ação entusiástica sua. A vontade de Keith em tê-la passa pela possibilidade de conserto da garota, ainda que ele não assuma este fato. O marido, ainda fiel, cai no impetuoso sentimento de ciúme ao ver sua vaidade ferida por um espécime mais jovem que ele e, supostamente, mais atraente que ele. Porém, o fascínio que ela exerce sobre o orientador não parece projetar-se de forma recíproca.
A construção da relação é gradativa e platônica, e demora a ocorrer graças à culpa e ao sentimento de proibição estritamente ligado à indiscreta infidelidade. As mentiras que circulam sobre a menina estrangeira acabam pondo sua integridade — e seu segredo — em perigo: um boato infundado a põe na mira de suas colegas sem que ela saiba, e a moça passa a se culpar, achando ser a fonte do desequilíbrio que aflige os Reynolds. Esse suspense é interessante e utiliza-se do método usado por Alfred Hitchcock, no qual o diretor mostra determinada situação ao público enquanto, em tela, os personagens aproximam-se do acontecimento desconhecendo o que realmente ocorre.
O nome original, Breathe In, traduz bem como são as sensações e os sentimentos entre a dupla de protagonistas. A espiração que ambos trocam próximos um ao outro é muito mais determinante do que a sedução pura e simples, pois a musa no caso associa-se ao estímulo criativo, bem mais que ao desejo carnal, ainda que a tensão entre os dois seja inegável e evidente desde a primeira cena protagonizada por Pearce e Jones.
Os últimos momentos são conduzidos com uma frieza difícil e muito perene. O que Doremus e Ben Yorke Jones fazem com o roteiro é de um trabalho meticuloso, detalhando as ações de seus personagens de modo elegante e pontual. A reação emocional de cada pessoa é perfeitamente condizente com a de espécimes reais. A visão que a câmera dá a cada uma das mulheres envolvidas na teia de eventos é única, e faz lembrar a emocionante cena do batismo de O Poderoso Chefão, onde todos os plots paralelos se resolvem simultaneamente. Porém, ao contrário do momento original, este é muitíssimo mais dramático para os protagonistas da jornada, uma vez que a tragédia interrompe os seus planos de fuga, assim como a esperança de viverem longe de sua infelicidade costumeira. O status quo é mantido, assim como o vazio existencial de Keith Reynolds. A preocupação com os seus o leva a não quebrar com a hipocrisia que correu toda a sua vida antes da chegada de Sophie, e até o faz se perguntar se outras oportunidades como esta não foram desperdiçadas antes.
A obra é muito boa em demonstrar o quanto a conformidade com a normatividade e a moralidade pode soterrar os anseios de grandeza e ambição pela vida, até porque esta máxima é deveras presente na rotina do homem.