Crítica | Made In China
Distante demais dos tempos clássicos de Sete Gatinhos, Regina Casé está muito mais próxima neste Made in China ao programa em que é âncora na rede de televisão mais popular do país, por se pautar no ideário das periferias e ter em seus diálogos o mesmo vernáculo popular de Esquenta.
No filme de Estevão Civiatta, Casé vive a vendedora devota a São Jorge – que dá nome a loja que ela gerencia – Francis, uma mulher esperta, trabalhadora e de bem com a vida, mesmo com as agruras que a crise econômica causa aos seus negócios. Como é típico das produções da Globo Filmes, este explora estereótipos da periferia, além de brincar com as diferenças regionais entre os brasileiros, que trabalham no comércio popular e os chineses, que conseguem vender produtos semelhantes com preços muito menores.
O cenário escolhido para a história é o SAARA, Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, o ambiente ideal e propício para as aventuras de Francis, que percorre toda a extensão do local por uma simples freguesa, mostrando como a escassez de clientes a desespera e também representando todo o seu esmero profissional, na correria desenfreada que ela protagoniza.
As diferenças sociais, culturais e linguísticas são sustentadas por um elenco estrelado, que conta com atores globais veteranos e alguns membros carismáticos, cujas participações quase não valem nota. As repetições absurdas cansam o espectador, causando uma sensação de reprise eterna, piorada pelas legendas ininteligíveis, em chinês, para reafirmar que ali convivem dois mundos muito distantes, tão díspares quanto a real diferença desleal de preços.
Apesar das boas intenções do guião, que é politicamente correto ao extremo, as falas da Francis conseguem exalar um preconceito inconsciente, a despeito até da fala final de que a miscigenação é a chave do sucesso do Brasil. A todo momento, a vendedora reza aos céus por sua nacionalidade e para não ser um ponto fora da curva – talvez uma referência ao conformismo –, com dizeres como “Deus me livre de ser estrangeiro“, numa alusão a uma xenofobia disfarçada, aventando até a ligação dos varejistas asiáticos com o crime organizado na China.
Até uma tentativa de sofisticar o tema, com ângulos de filmagem incomuns, onde Civiatta registra Casé por trás de luzes piscando, parecidas com os pisca-piscas de natal que viram sua obsessão em todo o filme, que remetem a confusão de sua alma, tanto no ofício quanto no amor. Se valendo de uma brasilidade que só se apresenta em tempos como o Carnaval, Made In China é uma história de conquista e redenção, sem alma ou conteúdo, utilizando o arquétipo físico das brasileiras como avatar do valor e da perfeição.