Crítica | La Sapienza
A definição da palavra sapiência refere-se ao excesso de conhecimento, algumas vezes relacionado a onisciência, típica do Divino. O novo filme do francês Eugène Green apresenta esta sensação, se valendo de arquétipos que a priori são vazios e frios, mas que ao longo da fita exibem curvas dramáticas atrozes e vidas repletas de angústias e anseios, quase sempre não alcançados.
A câmera de Green em La Sapienza contempla monumentos europeus, artes barrocas e clássicas, antecipando o ideal arquitetônico dos personagens que mais tarde serão explorados pela lente inconformista do diretor. As relações mostradas a partir do casal Alexandre (Fabrizio Rongione) e Aliénor (Christelle Prot Landman), cuja aproximação está claramente deteriorada graças a rotina de anos lado a lado, uma postura vinda de ambos os lados, o maior catalisar dessa condição.
As relações frias, formais, rígidas e distantes seguem por todo o roteiro, especialmente quando a dupla resolve mudar para a Itália. A troca de país os faz discutirem a respeito da rigidez da língua francesa que serve mais como uma alegoria à insensibilidade do casal médio francês. O enquadramento de fala individual mais uma vez remete à distância entre as linguagens, onde microcosmos tão distintos teimam em se tocar.
A rotina insossa do par é cortada por uma dupla de irmãos, cuja menina desmaia em meio a rua, tendo em Aliénor o seu socorro. Agradecidos, Goffredo (Ludovico Succio) e Lavinia (Arianna Nastro) oferecem a hospitalidade do estabelecimento comercial de sua mãe para que a dupla se instale. Ali há uma convergência entre duas gerações distintas, separadas por um abismo de interesse totalmente diferente, ainda que tenham nos dois homens – Goffredo e Alexandre – a mesma paixão pela arquitetura.
Depois de “discutir” de um modo tão civilizado que mal parece uma briga, dada a quietude de ambos, Aliénor manda seu marido viajar com Goffredo, para estimular o rapaz nos estudos do ofício em ser arquiteto. O homem de meia-idade prefere ainda manter uma longitude segura, encerrado em sua autossuficiência discutível, mas aos poucos começa a se afeiçoar ao rapaz, revelando até os motivos que o fizeram se apartar de sua esposa, levantando até a hipótese de um herdeiro indesejado como catalizador de uma reaproximação.
O pupilo e o mestre finalmente se encontram e se aceitam dentro de seus arquétipos, após longas divagações e negações, que remetem a uma profunda reflexão de suas vivências separadas e mais tarde, conjuntas. A troca de experiências entre os amantes da arte é como uma relação, não sexual, mas de emoção e sentir, que consegue fechar o seu ciclo, dentro da relação entre o jovem e o ancião, e entre as partes do par focado desde o início, levado por um roteiro que se fecha assaz poético.