Resenha | Absurdistão – Gary Shteyngart
Eis então que cruzo com este título curioso na livraria, com uma capa bonita que traz a Estátua da Liberdade junto com o Palácio do Kremlin e diversas marcações aludindo a um passaporte. Passaporte este que nos leva até o peculiar e pequenino país chamado Absurdistão. Terra árida, mas rica em petróleo, que vive um conflito armado de trágicas proporções (propositalmente remete ao eterno entrave no Oriente Médio); lá acompanhamos a enormidade (de coração e gordura) de Misha Vainberg. Ele é quem nos guia pelo livro. Filho de um dos homens mais ricos da Rússia, fã fervoroso da cultura norte-americana e por lá sonha viver para o resto da vida. Infelizmente, por conta de negócios ilícitos de seu pai (assassinato!), é impossível conseguir um visto de entrada na terra do Tio Sam.
Assim acabamos todos no Absurdistão. Vamos com Misha, de primeira classe, para essa terra exótica, seduzidos pela oportunidade de tirarmos um passaporte falso de nacionalidade belga e enfim conseguir o visto para os EUA. No entanto, eclode a guerra! Assim, de supetão, Misha Vainberg está preso dentro do Absurdistão, privado de suas regalias, privado de seus sonhos e testemunhando os horrores da batalha.
“Eu sou Misha Borisovitch Vainberg, trinta anos de idade, um obeso de olhos pequenos e profundamente azuis com um belo nariz judeu que lembra a mais distinta raça de papagaio e lábios tão delicados que você gostaria de esbofeteá-los”.
O livro começa com a alma do protagonista exposta, em suas próprias palavras: “145 quilos de um gordão incorrigível”. Com carisma e contatos, ele acaba no inusitado cargo de Ministro de Assuntos Multiculturais do Absurdistão. Como essa função é só um tapa-buraco dentro de uma nação de corruptos, ele segue no livro flertando com várias mulheres, fazendo uma operação de fimose que lhe descaracteriza o seu precioso “khui”, cantando rap de qualidade duvidosa e comendo refeições gigantescas. No meio disso, observa a luta de classes e até mesmo descobre certa veia piedosa e religiosa que lhe era desconhecida.
Uma trama bem básica no fim das contas. Mas você se pergunta: Qual o atrativo do livro? É diferente! Digamos que é para cosmopolitas materialistas que não querem se apegar a sentimentalismo barato. Também pra quem gosta de personagens com personalidade marcante, viajantes calejados e curiosos em geral. Humor ácido escrito pelo premiado Gary Shteyngart (pouco conhecido aqui) que por acaso é tataraneto de Nikolai Gogol (Tipo: E daí?). Nikolai é Nikolai, o eterno e único. Então, no fim das contas, vá à livraria e observe atentamente essa peça. Calcule se vai ser um bom passatempo ao ler uma passagem como esta:
“E acabou. Desengatei de Liuba e olhei meu pau molhado. Faltava um dos testículos. Aparentemente, subira para o meu abdômen. – Porra, Liuba – eu disse. – Falta um ovo aqui. Porra, porra, porra”.
Por essa passagem e outras muitas que terminei a aventura com um sorriso sacana.
–
Texto de autoria de Sergio Ferrari.