Crítica | Cabaret
Cabaret começa de maneira curiosa, seus primeiros momentos são mudos, até o letreiro indicando que a história se passa em Berlim no ano de 1931. Passam aproximadamente dois minutos, até a primeira fala do filme, evocando o Kit Kat Club, cenário tão presente que pode ser facilmente encarado como um personagem do elenco.
A história que Bob Fosse conta é focada em Sally Bowles (Liza Minelli), uma cantora e performancer do Kit Kat, cuja presença esplendorosa arrebata a atenção de todos não só pela beleza de seu corpo e por sua dança sensual, mas principalmente por sua voz. Já em seu início, o filme estabelece uma espécie de triângulo amoroso entre a protagonista, o americano Brian Roberts (Michael York) e o jovem alemão Fritz Wendel (Fritz Wepper).
Há duas facetas bastante distintas presentes no Kit Kat Club, a primeira com luzes são os artistas, homens e mulheres, sem medo de se mostrar como são, como se a licença poética e artística criasse um mini-universo cósmico de aceitação mesmo que frágil, enquanto há repressão e perseguição bem próximo dali. O que se intui é que mesmo que os excluídos tenham seu espaço, há um mundo lá fora, hostil e castrador, e curiosamente, esse cenário combina demais com os shows de transformistas (tal qual eram chamadas à época) que ocorriam no Teatro Rival na Cinelândia, lugar central do Rio de Janeiro em plena Ditadura Militar, como é muito bem pontuado no filme Divinas Divas.
O filme é baseado no livro Joe Masteroff, e no musical adaptado por John Kander e Fred Ebb da peça musical de John Van Druten. Tanto a peça quanto o longa-metragem mostram um choque de universos bastante diversos da aristocracia alemã. É evidente que o foco dramático do filme mora nos desdobramentos sentimentais de Sally, dos homens que a cercam a na tentativa de ascensão social que cada um deles tem, mas é mostrado uma contextualização onde os poucos direitos que eles possuem, seriam cassados, para dizer o mínimo.
A ascensão nazista na sociedade é desenvolvida brilhantemente em cenas graduais, como a de um jovem garoto cantando, para logo depois mostrar um sinal da suástica, com o povo em uma praça pública apoiando veementemente aquele momento. Há outros sinais, como uma discussão que Brian tem com um senhor que acusa judeus e comunistas de se unirem como uma sociedade secreta para derrubar os alemães. O caráter do filme passa a dar mais destaque a esses aspectos, sem deixar de lado o momento lúdico dos números musicais, e não é coincidência que o mestre de cerimônias (Joel Grey) faça uma dança com uma gorila disfarçada, dizendo que ela é seu par e que a sociedade não os aceita. O paralelo absurdo para retratar o preconceito com que uma parcela da sociedade era vista pelo nazifascismo funciona muitíssimo bem ao retratá-los como animais selvagens desumanizados.
A vida dos personagens segue, apesar das curvas que a vida dá. As músicas, coreografias, cenários e atuações do elenco pontuam bem a atmosfera deste espetáculo. A mensagem de que o show deve continuar é bem exibida, e as alusões que se faz ao III Reich são pontuais e acertadas, inclusive em seu final, quando sobem os créditos e se percebe na plateia homens uniformizados. Essa inevitabilidade do futuro e falta de conclusão normativa faz Cabaret se engrandecer ainda mais, terminando poético e grave.
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