Resenha | Juiz Dredd: Sobrenatural
“Os mortos julgam os seus.”
As histórias pós-apocalípticas do Juiz Dredd em sua famosa cidade de Mega-City Um, rodeada por um mundo de zumbis além de suas muralhas, carregam um gosto de fatalidade que pode ser notado, inclusive, no forte erotismo letal que parece punir os cidadãos (e jovens) de maior luxúria, tanto quanto a fúria da justiça cega – simbolizada pelo capacete do X vermelho, tapando os olhos do Juiz. Uma alegoria da sobrevivência urbana em zonas extremamente violentas, e com o aval de uma deliciosa ficção científica bem distópica que, em Juiz Dredd – Sobrenatural, flerta com demônios e fenômenos inexplicáveis para complicar as investigações pelo submundo do crime. Entre os maiores e mais perturbadores inimigos do Juiz, nem todos vivem na Terra ao alcance de seus punhos e suas balas. Às vezes, a escuridão prevalece.
Com um misto de horror e imaginação científica no maior estilo Blade Runner, com carros voadores, androides e uma paranoia instalada no comportamento das pessoas, as histórias de Sobrenatural testam a resistência do policial mais casca dura de Mega- City Um, a Megona, revirando e sendo capturado por forças ocultas e toda a sorte de bizarrices e armadilhas espetaculares que nem o seu aparato tecnológico, e nem as leis humanas de punição conseguem lidar, ou reprimir seus efeitos. Em O Satanista, o leitor de cara já é seduzido por uma trama de um culto de adoração a Satã e canibalismo, num suspense muito bem construído (e inventivo) fazendo-nos duvidar se, realmente, o Juiz durão vai viver pra contar essa estória. Como lidar com as trevas quando o mundano já se embrenhou em nós, nos tornando céticos para que, de repente, o fantástico venha à tona? Dredd subestima as sombras; não dá pra bater no tinhoso.
Em O Julgamento, uma entidade misteriosa, cuja imagem lembra a de Dredd, promove sentenças públicas e o castigo (e a vingança) a todos os rebeldes e meliantes, até ela ficar fora de controle e ameaçar ainda mais a vida na metrópole futurista. Eis a mais bela história do encadernado da editora Mythos, contando aqui com as cores e o traço muito expressivo de Ian Gibson para compor cenas eletrizantes de pura perseguição policial, e um terror gótico que aumenta ao longo das páginas, e casa muito bem com esses contos de “polícia e ladrão”. O Julgamento nos introduz a policial Anderson, parceira de Dredd e com poderes paranormais que vem a calhar, mas nem Anderson é o suficiente para conter a fúria de seres de mundos inferiores. Em O Aniversariante e na sombria Chapa Astral, histórias de sacrifício humano e almas penadas compõe um mural colorido de poderosos delírios extra físicos, já que raça humana é inútil diante de poderes bárbaros e pagãos que riem dos nossos sistemas, e da nossa fé.
Sobrenatural reúne 13 histórias (olha a numerologia) que enriquecem a mitologia do Juiz Dredd, já que a cidade que protege é um purgatório e ele, o seu guardião mais implacável, mas nenhuma tem o impacto de The Walking Dredd. Nenhuma trama desta coleção vai tão longe ao explorar os extremos do terror e a perfeita junção com o humor que pode ter nas histórias em quadrinhos, ao retratar a bestialidade humana sem limites. No que parece um pesadelo, Dredd e seus parceiros agentes da lei estão presos numa operação na Terra Maldita, um inferno que existe fora dos já mencionados portões de Mega-City Um, quando um zumbi morde e infecta o Juiz em trabalho. Mesmo assim, e sem perder o senso de justiça, o Juiz faz todo o possível para chegar até seu ‘Lar, Doce Lar’ e ser vacinado, antes que seja vire um dos descerebrados selvagens que amam vísceras, e políticos tão desumanos quanto eles. Um exemplo de resistência a dialogar com os nossos tempos. Nada mais necessário.
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