Crítica | Cantinflas: A Magia da Comédia
Começando com uma curiosa narração, que demonstra o panorama do cinema mundial nos idos de 1955, o filme de Sebastian del Amo diversifica a linguagem entre o inglês americano e o espanhol, numa co-produção repleta de referências a estrelas da sétima arte. O plot explorado é a difícil mega produção que adaptaria o romance de Júlio Verne, A Volta ao Mundo em Oitenta Dias. Após recusas de possíveis protagonistas para a película, surge o nome do humorista mexicano Mario Moreno – executado por Óscar Jaenada – que é um aspirante, ainda tímido, executor de esquetes de comédia.
A trajetória de Mario rumo à tentativa de se tornar um sucesso é dividida em tela pela volúpia de Michael Todd (Michael Imperioli) em tentar reunir o maior número possível de estrelas para a fita que quer produzir. Pressionado pelo estúdio, Mike passa por dificuldades cada vez maiores em angariar verba para a produção de seu épico. Logo, os destinos dos dois protagonistas cruzam-se.
Retornando ao passado, Mario observa como o humor pode retratar bem a sociedade, fazendo, inclusive, políticos famosos rirem de peripécias semelhantes aos descasos à máquina pública. O humor poderia ser uma ferina arma nas mãos de um excelente guerreiro, um método que foge do lugar comum no dever de denunciar as mazelas sociais. O roteiro de Del Amo é simples, didático, mas não trata seu espectador como bobo, pelo contrário, revela de modo leve e singelo a evolução de Moreno como palhaço. Após algumas experiências de vestuário, Mario dá luz a Cantinflas, sua persona que ficaria famosa por todo o México e que o levaria a ser uma figura importante do cinema latino.
A fama de Cantinflas cresce tanto que, na época retratada de 55, o humorista se dá ao luxo de recusar um papel secundário no filme que Mike produz. A mudança de estilo de vida do artista é mostrada de modo gradativo. O Vagabundo Cantinflas ganha os palcos e as salas de cinema com as estreias de Aí Está o Detalhe! e produções posteriores, focando a capacidade de improviso do humorista e sua pouca afeição a seguir os roteiros de modo linear. O intérprete se transforma em um competente realizador e produtor, aclamado por crítica e público, lançando mão de bens materiais de alto custo, mudando completamente de patamar econômico.
Cantinflas é uma cinebiografia focada nos atos que envolvem a criação de uma película fadada ao fracasso desde sua pré-produção, e que só conseguiu ver a luz do dia ao decidir entregar o protagonista ao personagem título, um indivíduo latino, naturalmente ignorado pela sociedade conservadora dos Estados Unidos, ainda mais na metade do século XX. A relação de Mario com Mike faz com que a relato de vida seja dividido entre ambos, na construção da improvável amizade que se arrastou pelos anos de vida da dupla, até o acidente que cerceou a vida de Michael.
O filme de Del Amo consegue ser reverencial e informativo, num equilíbrio poucas vezes vistas no gênero, trazendo à luz um personagem importante do cinema mundial, mas pouquíssimo conhecido no Brasil. O acerto talvez tenha sido não o de retratar Mario Cantinflas como uma figura mítica, mas sim de forma mais humana, repleta de falhas, acertos e fracassos, ainda que sua obra seja prolífica e genial.