Tag: Michael Imperioli

  • Crítica | Uma Noite em Miami…

    Crítica | Uma Noite em Miami…

    “Poder é ter um mundo aonde você pode ser você mesmo.”

    Quatro homens negros numa suíte de hotel, discutindo não só seus papeis na sociedade americana de 1963, mas o seu futuro e os seus valores. Em 2021, os assuntos seriam outros, invocados através de um outro contexto, mas naquela época, no sul repleto de contradições dos Estados Unidos, o impacto igualitário de Martin Luther King ainda não tinha acontecido, e afro descendentes ainda eram obrigados a sentar no final do ônibus, e usar banheiros próprios. É sob essa tensão que Uma Noite em Miami se desdobra, num drama histórico e semibiográfico cujas raízes, profundas, dialogam com Selma, Lágrimas Sobre o Mississipi e, indo aos primórdios das tensões raciais, 12 Anos de Escravidão. É por isso que Malcolm X chama seus três amigos para aquele quarto: as cicatrizes ainda estavam expostas, além do medo de que tudo se repita. De uma outra forma, mas com os mesmos alvos oriundos de ‘Wakanda’.

    Porque a melanina é motivo de discórdia entre os injustos, e Malcolm não deixa ninguém esquecer disso na sua militância, “uma voz solitária”, como ele mesmo admite sem bancar a vítima, e sim o arauto da causa, num poço de confusão, e violência. E esse debate não poderia ser numa hora melhor: enquanto o próprio Muhammad Ali se gaba por ter ganho o título de campeão de peso-pesado mundial, o cantor Sam Cooke tenta em vão animar uma plateia de senhoras brancas que não o aceita, assim como o jogador de basquete Jim Brown, outra vítima de um racismo estrutural, sofrendo com brancos burgueses que não se consideram racistas. Juntos agora entre quatro paredes, esse quarteto apresenta uma amizade inabalável, desde a infância, mas isso não evita que tenham suas verdades e ambições colocadas à prova, nesta longa noite. “Você poderia mover montanhas, irmão”, diz Malcolm a Cooke, em uma cena. Mas Cooke só quer crescer, ser importante, respeitado pela burguesia que o excluí, e no fundo, o enoja.

    Lidando em especial com o tema da conscientização e empatia, a atriz Regina King faz um trabalho notável na direção ao confinar homens diferentes num quarto, e ver o que sai dessa situação com sensibilidade, força e precisão na dinâmica do filme. É gratificante, aliás, perceber como King entende que um close bem dado, na hora certa, rende um grande momento, superior a qualquer diálogo. A atriz faz sua estreia na direção com um drama seguro, coerente, e nem por isso sufocado pela inexperiência da diretora, mas talvez seja a grande habilidade dela em extrair o melhor dos atores, que mais surpreende: o quarteto principal e seus coadjuvantes estão sublimes, com Leslie Odom Jr. encarnando o cantor de soul cheio de talento, e revoltado por não chegar no topo, e Eli Goree, perfeito como o titã do boxe Muhammad Ali, aqui vivendo sua glória de campeão mas contestado pelo seu papel na sociedade enquanto não apenas um homem rico, mas um homem rico e negro. Se King ainda não consegue fazer um tour de force de 2 horas, a peça Uma Noite em Miami é traduzida em cinema com um charme e uma elegância que nos convidam a todo tipo de debate, e revisão.

     

  • Crítica | Os Bad Boys

    Crítica | Os Bad Boys

    Produção de Don Simpson e Jerry Bruckheimer, com direção de Michael Bay, Os Bad Boys é uma comédia de ação policial, protagonizado por Will Smith, recém saído de Um Maluco no Pedaço, e por Martin Lawrence mais conhecido por seus shows de Stand Up Comedy nos idos de 1995, além é claro da série Martin, que protagonizava. O filme brinca com clichês de programas e seriados policiais, munido é claro de uma linguagem mais adulta e sacana, aproveitando o carisma de seus astros.

    O filme se passa em Miami, e em pouco tempo a câmera trata de utilizar o lugar como um dos personagens centrais da trama, com tomadas aéreas que correm o por do sol, mostrando a beleza das cores alaranjadas sobre as praias, baia e prédios. Tudo que envolve a historia prima por um descompromisso com a seriedade, os vilões que são apresentados são caricatos e repletos de clichês, ao mesmo tempo, a ultra violência é bastante utilizada aqui, com assassinatos e tiros ocorrendo já nos primeiros momentos do longa. É como se a obra de Bay fosse uma continuação espiritual dos filmes de ação dos anos 80, como Máquina Mortífera ou Duro de Matar, mas com um estilo bem diferente.

    Marcus Burnett (Lawrence) e Mike Lowrey (Smith) tem vidas bem diferentes, um é casado e outro um bon vivant solteiro e com receio de ter compromisso, possivelmente com diferenças cabais de rotina para compensar o fato de serem dois negros agindo como os tiras clássicos dos filmes de brucutu, como não há a química inter racial.

    Como o roteiro de Michael Barrie, Jim Mulholland e Doug Richardson (com argumento de George Gallo) não é um primor e nem busca reinventar nada, a personalidade dos personagens acaba sendo muito básica, Lowrey lembra muito o Will da série que ainda não havia acabado, principalmente por ser um mulherengo muito charmoso, e Burnett é o típico negro inseguro

    A música é um elemento importante no filme, tanto a trilha composta por Mark Mancina, que dá o tom para as andanças de Mark e Mike, quanto o tema do Inner Circle, que era utilizado como abertura da série COPS, e é cantarolado pelos dois tiras enquanto seguem o rastro dos traficantes de heroína. Não há muita complexidade nos vilões e opositores, eles são basicamente amontoados de clichês e visualmente assustadores, não apresentam muitas camadas, são mafiosos genéricos, assustados e violentos, como era bem típico dos programas como o já citado COPS, Miami Vice etc, e todo esse clima funciona, por causa no espectador uma sensação de familiaridade.

    Os personagens secundário ao menos são repletos de carisma, seja o capitão Howard, de Joe Pantoliano, um sujeito pilhado, engraçado e viciado em basquete, ou a família de Marcus, o porteiro de Milke ou a testemunha de um assassinato, Julie Mott, interpretada por sua vez por Tea Leoni inciante, mas ainda assim muito importante para toda a trama, graças entre outras cisas por sua forte presença. Alem deles, há o borracheiro Jojo, vivido por Michael Imperioli quatro anos antes de Família Soprano.

    Os momentos contem uma série de eventos frenético, e são fortificados pelas muitas explosões, pela edição e claro pelo slow motion. A essa altura estes não eram aspectos que determinavam a marca que Bay imprimiria em seu cinema, então não era uma formula desgastada, e dada toda a cafonice do filme, simplesmente funciona.

    Os Bad Boys é muito fruto do seu tempo, não tenta ser revolucionário, é apenas uma fita divertida, repleta de ação, humor e violência, uma nova versão do que seria o cinema brucutu, para um novo público, mas sem esquecer os fãs do sub gênero, mostrando os vigilantes e defensores da lei como pessoas de moral dúbia, com defeitos, reféns de seus sentimentos egoístas, mostrando dificuldades claras em ceder ou não a vaidade ou a vingança, em uma trama com múltiplas reviravoltas.

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  • Crítica | Cantinflas: A Magia da Comédia

    Crítica | Cantinflas: A Magia da Comédia

    Começando com uma curiosa narração, que demonstra o panorama do cinema mundial nos idos de 1955, o filme de Sebastian del Amo diversifica a linguagem entre o inglês americano e o espanhol, numa co-produção repleta de referências a estrelas da sétima arte. O plot explorado é a difícil mega produção que adaptaria o romance de Júlio Verne, A Volta ao Mundo em Oitenta Dias. Após recusas de possíveis protagonistas para a película, surge o nome do humorista mexicano Mario Moreno – executado por Óscar Jaenada – que é um aspirante, ainda tímido, executor de esquetes de comédia.

    A trajetória de Mario rumo à tentativa de se tornar um sucesso é dividida em tela pela volúpia de Michael Todd (Michael Imperioli) em tentar reunir o maior número possível de estrelas para a fita que quer produzir. Pressionado pelo estúdio, Mike passa por dificuldades cada vez maiores em angariar verba para a produção de seu épico. Logo, os destinos dos dois protagonistas cruzam-se.

    Retornando ao passado, Mario observa como o humor pode retratar bem a sociedade, fazendo, inclusive, políticos famosos rirem de peripécias semelhantes aos descasos à máquina pública. O humor poderia ser uma ferina arma nas mãos de um excelente guerreiro, um método que foge do lugar comum no dever de denunciar as mazelas sociais. O roteiro de Del Amo é simples, didático, mas não trata seu espectador como bobo, pelo contrário, revela de modo leve e singelo a evolução de Moreno como palhaço. Após algumas experiências de vestuário, Mario dá luz a Cantinflas, sua persona que ficaria famosa por todo o México e que o levaria a ser uma figura importante do cinema latino.

    A fama de Cantinflas cresce tanto que, na época retratada de 55, o humorista se dá ao luxo de recusar um papel secundário no filme que Mike produz. A mudança de estilo de vida do artista é mostrada de modo gradativo. O Vagabundo Cantinflas ganha os palcos e as salas de cinema com as estreias de Aí Está o Detalhe! e produções posteriores, focando a capacidade de improviso do humorista e sua pouca afeição a seguir os roteiros de modo linear. O intérprete se transforma em um competente realizador e produtor, aclamado por crítica e público, lançando mão de bens materiais de alto custo, mudando completamente de patamar econômico.

    Cantinflas é uma cinebiografia focada nos atos que envolvem a criação de uma película fadada ao fracasso desde sua pré-produção, e que só conseguiu ver a luz do dia ao decidir entregar o protagonista ao personagem título, um indivíduo latino, naturalmente ignorado pela sociedade conservadora dos Estados Unidos, ainda mais na metade do século XX. A relação de Mario com Mike faz com que a relato de vida seja dividido entre ambos, na construção da improvável amizade que se arrastou pelos anos de vida da dupla, até o acidente que cerceou a vida de Michael.

    O filme de Del Amo consegue ser reverencial e informativo, num equilíbrio poucas vezes vistas no gênero, trazendo à luz um personagem importante do cinema mundial, mas pouquíssimo conhecido no Brasil. O acerto talvez tenha sido não o de retratar Mario Cantinflas como uma figura mítica, mas sim de forma mais humana, repleta de falhas, acertos e fracassos, ainda que sua obra seja prolífica e genial.

  • Crítica | Old Boy: Dias de Vingança

    Crítica | Old Boy: Dias de Vingança

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    Não importa quão bem sucedida e elogiada seja uma produção estrangeira; a indústria cinematográfica americana sempre procurará compor uma nova versão para chamar de sua. Se dentro do sistema muitas histórias são atualizadas por meio de refilmagens desnecessárias, produzidas em razão do provável retorno financeiro, um bem-sucedido filme estrangeiro parece significar um elemento prejudicial à supremacia hollywoodiana, que inevitavelmente compra os direitos e reconta a história à sua maneira.

    Não faltam argumentos a favor ou contra na inflamada discussão sobre refilmagens. Se argumentos teóricos tentam convencer opiniões específicas, a prática consolida que uma história contada pela segunda vez nem sempre é tão prazerosa como se espera.

    O remake do coreano Old Boy (2003) foi recebido, desde o princípio, com rejeição. Nem mesmo o nome de Spike Lee na direção foi suficiente para atrair parte dos espectadores, o que resultou em criticadas exibições prévias e um lançamento morno que se refletiu na estreia tardia em diversos outros países.

    Sempre relacionado a narrativas de crítica social, parece incompreensível o envolvimento de Lee, exceto por um alto incentivo financeiro. Não há em nenhum momento cenas que demonstrem visivelmente seu talento. Tão enfraquecida como a direção está a escolha de Josh Brolin no papel central.

    Brolin não está à vontade desempenhando a personagem que passa vinte anos presa em um quarto sem saber a razão. Demonstrando apatia, o ator diminui potencial dramático destruindo parte do drama que se desenrola através da vingança.

    O argumento é uma versão mais plástica da versão coreana, sem as tênues composições do original, que davam maior dimensão ao personagem de Choi Min-sik, e sem o misto de injustiça e esperança que fez o público desejar a vingança de Oh Dae-su. A versão americana, explorada de maneira plana, resulta no desenvolvimento de uma personagem que não gera piedade no público. As cenas de ação mostrando a  brutalidade crua continuam presentes, bem desenvolvidas, como vistas em uma grande produção. Mas o impacto diante da gama costumeira de violência plástica é risível.

    Ao parecer excessivamente uma cópia da produção coreana, Old Boy – Dias de Vingança não se sustenta nem mesmo como uma pasteurizada versão americana. Motivo pelo qual sua recepção tem sido negativa, suscitando uma das questões primordiais do cinema: os limites que existem entre roteiros originais e adaptações.