Crítica | Ser Ou Não Ser
Produzido por Alexander Korda, ainda em preto e branco, Ser ou Não Ser é um longa de Ernst Lubitsch e é mais um dos filmes dos anos 40 que entraram no esforço anti Segunda Guerra Mundial. Apesar do nome, não vem a ser uma adaptação das peças de William Shakespeare, mostrando na verdade uma historia que se passa na Polônia ocupada, onde um grupo de atores canastrões acaba caindo na graça dos nazistas, durante a tal ocupação.
O filme começa com uma longa introdução silenciosa, mostrando os créditos do filme, seguida de um tour pela rua dos teatros na capital polonesa da Varsóvia, onde há inclusive uma representação do Fuhrer em plena rua, em que a maioria da população assiste atônita, mostrando fundamentalmente que as pessoas comuns não tinham uma boa visão de Adolf Hitler.
As cenas posteriores, em um escritório de militares nazistas, é dentro de um dos espetáculos dos comediantes. Em paralelo com esse espetáculo, há também adaptações das obras de Shakespeare, e claro, bombardeios na Varsóvia, que fazem lembrar a dura realidade da guerra, e que nem a bela arte teatral é capaz de aplacar a dor do povo que sofre com o poderio extremista alemão e nem aliena o povo por completo.
Há quem acuse o filme de soar um pouco sensacionalista. A música da trilha é sempre muito alta, dá um ar sensacional mesmo para os anúncios de campos de concentração, e as transições de tempo são bastante bruscos, mas ela traduz de maneira bem fiel a sensação que boa parte dos homens comuns tinham ao perceber o avanço da Guerra, além disso, há uma abordagem da resistência aos nazistas.
As atuações de Jack Benny e Carole Lombard são de uma entrega intensa, eles vivem respectivamente Joseph e Maria Ture, um casal de atores bem ambiciosos, e que se vêem no meio da trama de espionagem, que envolve Alexander Siletzky (Stanley Ridges), um homem que tem a missão de entregar uma mensagem aos nazistas, que influenciaria no destino da resistência. Todo o desenrolar dessa sequência exige muito dos atores, que dão uma boa demonstração de seus dotes dramáticos.
Quando atinge perto de uma hora de exibição, há uma intensa perseguição, repleta de suspense, em que um tiro ocorre. Realidade e dramaturgia se confundem, pois a perseguição ocorre no meio dos ensaios, e em meio a um ato onde a cortina sobe e mostra um homem sangrando, indo de encontro a morte. O simbolismo da cena é muito forte, evoca que os tempos de guerra primam pela artificialidade e pela teatralidade, e faz isso de modo sentimental, direto e visceral.
O fato de se chamar Ser ou Não Ser é até poético, em especial no terço final, onde há uma troca de identidade e um desempenho atroz do ator Ture dentro da trama metalinguística do filme. O grau de paródia, misturado com o conceito de encenação da rotina dos vilões se confunde ao final, mostrando a tal companhia de comediantes agindo a favor dos Aliados contra o Eixo, atacando as células nazistas, fazendo com que eles tenham baixas diretas, atrapalhando claramente o poderio tirânico dos nazistas, ainda que em uma pequena esfera. Lubistch traz a luz um filme que elucubra sobre identidade e sobre as dificuldade de viver em um mundo de extremos, e que não tem medo de escolher um lado ideológico, sendo um dos mais corajosos filmes anti-fascismo da época.