Crítica | Dívida de Honra
O revisionismo é um artifício comum no cenário cinematográfico, uma vez que os temas tendem a se esgotar dentro dos formatos e categorias de gênero. Dívida de Honra é acima de tudo uma reinvenção, tanto da carreira de seu diretor Tommy Lee Jones, com poucas realizações, apesar de ser um veterano com quase 50 anos de sétima arte, quanto na escolha e construção do ethos de seus protagonistas.
Marie Bee Cuddy (Hilary Swank) é uma mulher resignada, cuja existência é pautada essencialmente emsua origem do Nebraska, fazendo dela uma pária em meio a um conservador e recrudescente Texas, que se torna ainda mais conservador e assustador para uma mulher sem marido. A pequena comunidade, composta por menos de uma dezena de chefes de família, se preocupa com sua subsistência, ante a escassez de bens básicos, inclusive alimentos, que rareavam graças à intensa seca, agravada pela permanência de três damas com problemas que as impedem de viver plenamente. Cuddy se oferece para uma jornada em busca de mantimentos em outras paragens, já que os poucos homens que restam na aldeia recusam o chamado aventuresco.
Jones é o autêntico filho de sua terra: seu cinema quase sempre abarca o estado em que nasceu, como foi com Três Enterros e Os Bons e Velhos Companheiros, e com o remake ainda em pré-produção The Cowboys. Ainda assim, Dívida de Honra promete reavivar a chama de Era Uma Vez no Oeste – com uma Claudia Cardinale que se vale mais da força bruta do que de seu corpo voluptuoso –, além de apresentar um forte código ético, capaz de produzir mudanças em seres decadentes, como é o caso de George Briggs, um maltrapilho condenado à morte e à própria sorte, quase enforcado em árvores de galhos secos, no meio do nada.
O personagem de Tommy Lee Jones é um anti-herói, mesclado ao arquétipo de herói falido. Sua honra é tão baixa que a submissão a um desígnio com poucas chances de dar certo não é sequer discutida. A repaginação de persona chega a ter uma comicidade, com a reversão da figura de homem forte, pondo toda a sua história como ator em pauta. Logo, Cuddy enxerga na fuga das três mulheres a melhor possibilidade para elas e para a aldeia, decidindo então cruzar o país entre os gemidos de suas comadres e o crescente temor de tornar-se semelhante a elas.
A jornada segue invertendo as figuras de temor, substituindo a figura de fragilidade e inimizade dos índios nativos americanos, transformando-os em figuras ameaçadoras, diante da carência de chumbo, para revidar possíveis ataques. Mas o fôlego do filme se perde após a primeira hora de exibição, apesar do bom começo. A metade final reforça a carência e destempero da personagem principal, que em hora alguma se prova forte ou minimamente interessante, o que obviamente dificulta qualquer sentimento empático, facilitando a mudança de foco que ocorre na parte final da película.
O forçado enlace entre a dupla de personagens centrais ocorre de modo tão engessado e robótico quanto a interação lasciva entre eles. A despeito da bela fotografia, direção de arte e de algumas boas cenas, especialmente as que retratam a desforra do homem forçadamente desonrado, quase não há momentos em que o espectador sinta-se compelido a importar-se com a história, mesmo contando as reviravoltas do roteiro que, em suma, revelam a necessidade de Jones de tornar-se protagonista da história que conta.
O agridoce epílogo repete a vã tentativa de salvar Dívida de Honra da banalidade, mostrando o personagem sem passado, cuja única certeza é o fato de ter cometido um crime, tentando festejar e achar algum alento à sua miserável existência, que só teve algum momento de honradez ao final de sua jornada. O esforço não salvaguarda nada, nem faz a qualidade da fita subir. A dificuldade de Tommy Lee Jones em imprimir um ritmo interessante ao seu filme agrava o conceito em relação a sua direção, fazendo com que se pareça inapto no ofício, já que nem o interesse por parte dos fãs de western ele parece ter conquistado.