Crítica | A Música Nunca Parou
No livro Um Antropólogo em Marte, o neurocientista Oliver Sacks reuniu ensaios sobre casos estudados em sua profissão demonstrando a potência do cérebro, uma das melhores máquinas compostas pela engenharia neural. O escritor narra histórias de pacientes que sofreram algum distúrbio neurológico e, a partir de uma nova condição, tentam se adaptar à realidade.
Lançado no Festival de Sundance em 2011, A Música Nunca Parou se baseia no artigo O Último Hippie, presente no livro citado. Na trama, o adolescente Gabriel Sawyer (Lou Taylor Pucci) sai de casa à procura de liberdade e anos depois é encontrado pela família em um pronto-socorro com um tumor cerebral que lhe causou sérias lesões, incapacitando-o de reter novas memórias, mas apenas momentos de sua juventude enquanto hippie. Tentando estabelecer uma conexão com o filho agora adulto, o pai Henry procura meios e alternativas para ajudar o garoto.
Como pai de um adolescente na década de 60, Henry foi um conservador que não admitira as mudanças naturais da sociedade e, em consequência, o comportamento do filho, gerando distanciamento entre brigas e discussões. O reencontro traz à tona velhas feridas e coloca o pai em um interessante conflito: a única maneira de estabelecer uma conexão com o filho é adentrar nas memórias de sua juventude, um universo sempre negado pelo personagem paterno.
Mesmo que pais busquem a melhor criação para os filhos, há um momento em que os rebentos precisam refletir sobre o mundo por conta própria. Os ensinamentos dados com amor por pai e mãe devem servir como apoio moral, não um guia absoluto. As gerações diferentes promovem valores distintos, e a discrepância entre o passado e o presente é um dos embates naturais na relação familiar.
Com um herdeiro incapaz de produzir novas memórias, o pai busca construir uma nova relação familiar descobrindo a terapia musical como ponte. As canções ouvidas anteriormente ao problema de Gabriel funcionam como combustível para sua lembranças, fazendo-o sair de um estado mental diferenciado para se conectar às pessoas à sua volta, discutindo sobre canções e relembrando tempos passados.
A música se configura como símbolo conector entre ambos. Um exemplo simples dessa grandiosa força de expressão, comovente e catártica, como nenhum outra arte. Isso nos leva a uma citação, replicada ao extremo em diversos meios mas representativa da força das canções: sem música, a vida seria um erro.
O caso de Gabriel é um exemplo acessível do comportamento da máquina cerebral, composta com uma engenharia completa e que trabalha de maneira diferente quando sofre algum abalo. A narrativa é eficiente ao explorar tanto o lado científico de sua condição quanto o modo como um paciente mantém sua nova estrutura de vida.
J.K. Simmons entrega uma bonita interpretação do pai severo e amoroso, que busca uma conexão com o filho, demonstrando sua competência habitual mesmo que nem sempre destacada pela mídia. Como na interpretação que lhe valeu o Oscar em Whiplash – Em Busca da Perfeição, seu papel é o conectivo da história. O público acompanha o drama do pai em descobrir a respeito da condição do filho, produzindo um laço emotivo que universaliza a sensível história.