Crítica | A Parte dos Anjos
Robbie (Paul Brannigan), um jovem desempregado prestes a ser pai, é sentenciado a cumprir algumas horas de trabalho comunitário depois de espancar um rapaz na rua por um motivo banal. No grupo de infratores que cumprem pena ao mesmo tempo que Robbie, ele encontra outras pessoas com o mesmo problema dele – ter vivido sempre à margem da sociedade e ter dificuldade em arrumar emprego. Robbie encontra também, na figura do supervisor do serviço comunitário, um amigo e um mentor no conhecimento de algo até então ignorado por ele – a degustação e apreciação de uísque. E Robbie entrevê, nessa nova atividade, uma possibilidade de mudar de vida, de começar uma nova vida com a namorada, Leonie (Siobhan Reilly), e o filho recém-nascido.
Para os abstêmios ou não apreciadores de destilados, vale uma explicação sobre o título. A parte dos anjos refere-se àquele percentual de uísque que evapora dos barris de carvalho durante o envelhecimento. Lógico, tem a ver com a bebida “descoberta” pelos personagens, porém tem mais a ver com algo que ocorre na segunda metade do filme, mas que me abstenho de contar para não tirar a graça da estória.
É um filme singelo que talvez fosse lembrado como apenas mais um filme escocês sobre as dificuldades do ingresso na vida adulta não fosse pela guinada no roteiro que ocorre a partir da segunda metade da trama. O filme deixa de ser uma estória dolorosa sobre problemas sociais e jovens infratores para se tornar uma aventura no melhor estilo sessão da tarde, em que ideias mirabolantes são postas em prática e conseguem ser bem-sucedidas a não ser por um percalço ou outro. Esse novo rumo surpreende o espectador e é nele que reside a leveza do filme, apesar de todo o non-sense das situações vividas pelos personagens. A mudança de tom e a nova abordagem da estória fazem toda a diferença no resultado final.
A trajetória de Robbie remete ao herói injustiçado que recebe um dom, que será responsável pela rendenção do personagem. Robbie consegue, usando sua aptidão recém descoberta, vislumbrar a possibilidade de sair da vida marginal e imersa em violência em que se encontrava até o momento. E, contrariando a máxima de que o ambiente molda o caráter, decide tomar as rédeas da sua vida nas próprias mãos. Mesmo tomando um atalho a princípio – que leva o espectador a questionar se os fins justificam os meios -, livra-se do passado e dá um novo rumo à sua vida junto à sua nova família.
O filme não é longo, e assim consegue manter o ritmo do início ao fim, sem “barrigas”. Os diálogos ágeis e ácidos ganham o espectador principalmente nas cenas em que o grupo se inicia na degustação – que apreciador já não passou por isso? Ser ridicularizado ao afirmar que um vinho, cerveja, uísque tem determinado aroma ou sabor – e durante a excursão a uma destilaria, em que o uso dos kilts causa consequências desagradáveis. O elenco central, praticamente desconhecido, tem boa empatia e convence como gauches na vida que tentam de alguma forma dar certo.
É um filme despretensioso cujo sucesso reside na ambiguidade entre drama e comédia e que se torna bem sucedido justamente por não tentar misturar os dois gêneros e ainda assim conseguir manter o estilo do diretor, Ken Loach, e não deixar de lado a crítica social.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.