Crítica | Sob a Pele
O hype da nova produção sci-fi de Jonathan Glazer (diretor de Reencarnação) começou pela óbvia referência à nudez de Scarlett Johansson, até então nunca descortinada por completo. O vazamento da informação gerou curiosidade por parte do público fã de curvas femininas, dando a Sob A Pele uma popularidade que provavelmente não existiria por outro motivo. O anseio por enxergar a alva pele da atriz sem qualquer tecido encobrindo-a é saciada logo de cara, como se Glazer quisesse dizer que sua história é muito mais que uma bela mulher sem suas roupas.
Scarlett faz às vezes de Mathilda May, que em Força Sinistra vampiriza humanos, também se valendo de sua sexualidade. Sem utilizar muitas palavras, somente observando, a alienígena passeia pela superfície terrestre, espreitando os seres que habitam o planeta. O filme se vale de edição de som e mixagem bastante singulares. Os barulhos servem para se fazer mergulhar no modo de se sentir da forasteira.
O roteiro trata de usar os estereótipos da predação carnal/sexual em momentos em que a cor isola os personagens. Na primeira aparição da protagonista, em uma cena onde a extraterrestre toma as roupas de uma outra mulher, o ambiente é puxado para uma tonalidade alva. Quando esta precisa se enredar a um espécime masculino, a monocromia, de tons negros, remete à escuridão dos interesses do sujeito, que termina a sequência preso a uma superfície lodosa. Todos os homens que tentam alcançá-la caem nessa superfície movediça, semelhante a um limbo existencial, onde sofrem mutilações e transformações da matéria corporal.
A sede e a fome do forâneo é insaciável. Ela parece só se mover para atingir o êxtase inacabável, que em uma análise maior pode ser associada à libido e à volúpia, não só as de suas vítimas – pessoas supostamente egoístas -, mas sim as inerentes ao sujeito comum, que busca o tempo todo fartar as suas necessidades até chegar ao ponto de saturá-las, atingindo o estágio de não vivência. Como destacado por MD Magno ao analisar a obra freudiana, a pulsão eleva o homem a vontade irrefutável de não existir, que jamais é atingida, nem mesmo com a morte, uma vez que ela não pode ser provada empiricamente.
Após passados 77 minutos de filme, a lente visita cada particularidade da nudez de Scarlett Johansson. A própria personagem se encara diante de um espelho, testando a si mesma e aos seus limites, dobrando e esticando os membros inferiores. Recordando as pessoas que cruzam seu caminho, nota-se o óbvio padrão masculino, mas é também possível perceber que os que a desejam são em sua maioria pessoas solitárias, cuja busca por alento varia, não sendo só marcada pela luxúria, mas pela incrível predominância da carência.
O modo com que a história é contada é pouco usual e quase nada normativo; em alguns momentos, a abordagem da temática erótica beira o surreal. O exílio da solitude visto antes nos homens é também contemplado na pele da “estrangeira”, que procura manter-se longe do contato humano, sentindo-se abusada quando é tocada de modo lascivo e à força. Mesmo com toda a história decorrida, ela ainda guarda em si uma sensibilidade feminina atroz, ainda que isso não seja, a priori, parte dos seus instintos primários. Ao final, os papéis se invertem: o predador age como a presa, inclusive conquistando os anseios de desejar a morte, pois, quando se vê em perigo, a criatura não se permite salvar. Sob A Pele usa um protagonista extraterrestre para tratar de características humanas básicas, como insegurança, egolatria e misantropia.