Crítica | Mengele: O Anjo da Morte
Um governo de extrema direita dá margem para a proliferação de todo tipo de figura controversa, e esse é o caso de Josef Mengele, um homem cujo trabalho envolvia experimentos com seres humanos cujos desígnios e resultados eram absolutamente cruéis. Mengele: O Anjo da Morte começa em 1944, a partir das memórias de muitos prisioneiros judeus de Aushcwitz, que após a chegada dos russos, diziam que esse nome causava muito medo neles, e fala-se também da fuga do sujeito, que veio até a América do Sul.
O documentário é narrado em espanhol, tem uma estética e forma bem simples e direta, é um documentário tradicional e isso pode incomodar espectadores mais exigentes e acostumados as novas formas de documentar filmes, no entanto se conteúdo é bem informativo, no sentido de criar a identidade do personagem, mesmo que seu começo seja no exílio/fuga que ele fez na Argentina, e na habilidade que ele tinha para se esconder.
Há um outro filme que adapta de certa forma a historia de Mengele, chamado O Médico Alemão, embora não seja a melhor abordagem para esse personagem, assim como este de certa forma, uma vez que o filme é bem sensacionalista nos seus pouco menos de 90 minutos. Ainda assim, por mais que soe piegas e exagerado na maior parte de sua explanação, é importante destacar o passado do sujeito, para entender como ele se tornou o que se tornou, onde se destacam as dificuldades que teve na juventude, inclusive de alimentos, por conta da derrota alemã na Primeira Guerra Mundial. A mesma lacuna que propiciou a Hitler ascender ao poder de chanceler alemão, causou uma comoção na população ao ponto de dar vazão até a falhas de caráter, chegando ao ponto de inflar essas e torná-las em algo válido por mais irreal que pareça hoje.
Mengele só poderia fazer o que fez com suas vítimas em um regime que é implantado sem limites para desvios morais quaisquer, e aparentemente a aproximação política que teve do partido nazista e claro, a fidelidade que prometeu ao fuhrer. O médico obviamente enxergava os arianos acima do bem e do mal, assim como olhava os judeus como inferiores, semelhantes a ratos, animais que pode manusear e experimentar a vontade.
Para um filme de entorno, que gira ao redor de um objeto de análise, Mengele o Anjo da Morte tem uma direção um bocado pesado. O diretor Matias Gueilburt é por vezes personalista, e isso atrapalha a imersão no filme, além é claro de ter ali um grave problema de ritmo, a cadência do mesmo é tão ruim que faz até as partes chocantes, como quando os membros da produção vão até os museus onde são mostradas as vítimas das intervenções do doutor. O que se vê são corpos esquálidos, de crianças especialmente, cuja descrição por mais cruel que soe, não faz jus ao horror que é visto nos registros. A demora por finalmente mostrar os pecados do personagem central (demora mais que a metade do filme para finalmente alcançar isso), reforça a ideia de perda de força.
Todo o quadro pintado no entorno de Mengele piora ao se perceber que ele é diplomado em filosofia e medicina, ou seja, ele parecia um homem pronto para ajudar a humanidade, talvez até reconstruir o sucesso de sua pátria mãe – e de certa forma ele fez, pois o governo direitista do III Reich fez o país se inflar economicamente e belicamente – mas dedicou seus dias a humilhar seus inimigos e a brincar de deus, evocando a ideia religiosa nazista, e afrontando as entidades religiosas hebraicas, basicamente porque ele podia fazer isso, e refletir sobre a vida e trajetória de Josef Mengele é importante para não perder de vista como esses personagens vem a tona no mundo, e como um cenário fascista pode dar espaço para esse tipo de sujeito.