Crítica | Apenas Uma Chance
Baseado na história do surpreendente cantor de ópera – e celebridade da internet – Paul Potts, o filme de David Frankel conta de modo detalhado toda a difícil jornada do solista rumo ao estrelato, sem poupar o público das mil situações constrangedoras que ocorreram em sua vida.
O roteiro de Apenas Uma Chance é construído com a mesma estrutura de uma ópera, com todos os elementos tragicômicos de uma comédia em três atos, onde o personagem principal assume um papel épico e é acompanhado como se estrelasse uma espetáculo. Paul é mostrado como um rapaz perseguido desde sua infância, sofrendo bullying por ser gordo – condição que se repete por anos a fio. Ele cresce, e em sua vida adulta é interpretado magistralmente por James Corden. Porém, apesar de ter crescido, o rapaz mantém vivas as mesmas sombras que povoaram sua infância, como a total solidão, o pouco tato com as mulheres, decorrente da criação debaixo das asas da mãe, e o mais importante, a enorme paixão pelo canto lírico, que, obviamente servia como máscara para o seu eloquente talento.
Impressiona como o conhecimento de mundo de Paul Potts é infantil. Suas ações são carregadas de ingenuidade, tanto em relação aos seus agressores como no relacionamento que tem com Julz (Alexandra Roach), uma namorada que ele pouco conhece e que o surpreende, quando o personagem se dá conta de que realmente é uma mulher. Tais papéis influenciam diretamente a sua perspectiva do que deveria ser a vida, e o motivam a buscar a realização de seus sonhos. Julz torna-se, então, a musa inspiradora de seu maior desejo, estudar canto em Veneza, despertando nele a vontade de partir, sensivelmente encenada nos vinte minutos que precedem esse momento singular.
A partir dali, o personagem é chamado de Paolo, e com a mudança nominal ensaia também uma mudança de postura e amadurecimento, já que seria preciso mais do que um coração puro para alcançar o tão almejado posto de solista. Viajando pelo interior do país, ele é aconselhado a encontrar a sua própria voz e não tentar mudá-la somente para agradar às pessoas, o que, na verdade, é um paralelo com o seu excesso de peso e com a busca pela aceitação social. O personagem atinge seu ponto máximo nesse ato, ao ser convidado para apresentar um solo a Luciano Pavarotti, momento em que falha terrivelmente e, movido por sua insegurança, mal consegue cantar diante de seu herói. A reprovação do tenor provoca uma mudança tão grande em sua vida, que ele encerra o seu sonho e decide não mais cantar, recolhendo-se a sua solidão e afastando-se de sua amada, a única mulher que permanece ao seu lado por toda a vida e que o ajuda a suportar todas as adversidades dali para frente.
O casal é conduzido por uma timidez de beleza ímpar e de singeleza ainda mais rara, o que demonstra ser um dos maiores acertos de Frankel, já que a sensibilidade de sua abordagem ajuda a maximizar as sensações e a empatia do público com seu herói. Outro fator notável na construção da película é a delicadeza na escolha das cores, que simbolizam o estado de espírito do protagonista. Após o seu casamento, Potts vê todo o cenário se desenhar de azul, em evidente contraste com o preto que dominava a tela quando sofria com a violência alheia. Dessa forma, Frankel atribui ao espetáculo a importância e o valor de um cenário principal, lugar onde Paul brilharia, onde cairia em desgraça, onde retornaria ao seu dom e onde também sofreria com seus azarados problemas.
A rotina enterra os sonhos de Paul e o faz renunciar suas ideias mais grandiloquentes, transformando-o em um adulto deprimido, inválido e sem perspectivas de futuro. Após ver sua vida financeira tornar-se um caos, graças às dívidas que contraiu, e após uma das mais severas brigas que teve com seu pai, ele decide retomar seu anseio maior, inscrevendo-se em um reality show que debocha dos participantes que buscam ser o maior talento da Grã-Bretanha.
É curioso como, na terceira tentativa, e não na “única chance” – sugerida pelo título do filme e também nome do primeiro álbum de Potts – ele finalmente alcança o êxito, apesar das limitações de sua saúde, de todo o triste passado que vivenciou, de sua inabilidade social e de sua capacidade quase infinita de gerar vergonha para si mesmo. O trabalho de roteiro que Justin Zackham imprime é perfeito no quesito emoção, trazendo à baila questões comuns que valorizam ainda mais a bela história de amor e superação de Paul Potts, desde os tempos imemoriais de anonimato até a fama que, finalmente, o acomete.