Crítica | Akira
Em 1988, Akira abriu as portas para que as animações japonesas se popularizassem ainda mais no Ocidente, não só pela qualidade inigualável da animação, mas também pela estética cyberpunk que ficava popular por obras como Neuromancer (William Gibson), Blade Runner, RoboCop, entre outras. O longa-metragem de Katsuhiro Otomo, adapta o mangá homônimo (também de Otomo), enquanto a publicação sequer havia sido concluída.
Entre a cena inicial e os fatos do “presente” se passam 31 anos, tempo o bastante para o mundo ter mudado para um futuro impessoal e cruel. Em menos de dez minutos é mostrado um homem sendo chacinado na frente de uma criança. Logo somos apresentados a Shotaro Kaneda e Tetsuo Shima, que andam sobre suas motos tunadas por um ambiente urbano que remete bastante ao futuro de Blade Runner e Laranja Mecânica. Neo Toquio é uma cidade violenta, onde as gangues imperam, semelhante ao visto no clássico Cult de Walter Hill, Warriors: Os Selvagens da Noite, mostrando aqui toda a salada de referências que o realizador apresentava em ambas versões da obra, e repetindo de certa forma o ciclo ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, onde a capital do país se tornou mais cosmopolita após uma explosão de proporções nucleares.
As cenas de perseguição de moto são visualmente absurdas, os movimentos impressionam pela qualidade técnica, visual e a fluidez de movimento. Até hoje a qualidade da animação salta aos olhos, e para 1988 a sua configuração era ímpar, e isso é um bom motivo para louvar os produtores por terem concentrado a história em um longa-metragem, já que se essa fosse uma série contínua, a qualidade e o orçamento seriam diluídos ao longo da temporada.
A carga dramática da história aborda não só temas pesados e distantes (até certo ponto, claro) como um cenário pós apocalíptico e longe do que era tangível e atual no ano de seu lançamento, mas também questões muito caras a qualquer sociedade, como problemas de aceitação, depressão e suicídio. O personagem de Tetsuo é a personificação da maioria dos medos da juventude.
Autores de mangá adaptando suas próprias obras era algo meio raro, e tal qual ocorreu com o lendário Osamu Tezuka que produziu e dirigiu produtos baseados em seus escritos, se percebe que Otomo é senhor de sua obra. Os momentos em silêncio fazem paralelos com o cinema introspectivo japonês, que ajudam o público a respirar e refletir sobre o horror atômico e outros temas que expõe.
Tetsuo, Kaneda e outras crianças são vítimas, meninos que tiveram suas infâncias e inocências interrompidas por conta da falta de escrúpulos dos poderosos. Mesmo que eles tivessem alguma autonomia e liberdade de escolha como os que formavam gangues, não havia ali qualquer paralelo com a malignidade inescrupulosa dos cientistas que brincam com as vidas alheias. O destino final é triste, seja qual for, e um mundo onde as crianças perdem as esperanças é um mundo sem vida. Além de toda narrativa dramática, Akira possui um trabalho único, as movimentações de seus personagens são perfeitas, de uma qualidade comparável aos clássicos animados de Walt Disney, e que certamente influenciou toda sorte de produtos animados, ficando lado a lado com Ghost in The Shell, Perfect Blue e outros. A utilização das cores varia de intensidade, seja nos cenários como também nas luzes piscantes que lembram a lisergia das sequencias de 2001: Uma Odisséia no Espaço, além de referenciar o trabalho de Alejandro Jorowsky e Ken Russsell, e mesmo nessa salada de referências a abordagem soa original e poética, mesmo em seus pessimismos e pragmatismos.