Resenha | Perdão, Leonard Peacock – Matthew Quick
O termo young adult surgiu na década de 60, cunhado pela Young Adult Library Services Association para representar livros voltados a uma faixa etária de 12 a 18 anos. Porém, apenas recentemente a explosão do gênero transformou-o em uma estratégia comercial com fórmulas de composição.
A intenção é nobre ao promover um estilo que aproxima jovens da leitura. Porém, ao debruçar-se sobre o mercado editorial encontram-se pouca criatividade e uma vasta repetição de temas, estilos e narrativas sem pouca profundidade. Como se, ao criar um nicho para o jovem, ele fosse incapaz de se aventurar em uma narrativa universal.
A compulsão mercadológica em fundamentar o gênero transformou o clássico O Apanhador No Campo de Centeio de J. D. Salinger (ouça nosso podcast sobre a obra) em um young adult precursor. Como se Salinger fosse o embrião que procriaria a linhagem de narrativas sobre adolescentes problemáticos, os quais, mesmo enfrentando diversas situações dramáticas, situam-se em um plano suave próximo de um final feliz. Os exemplos não param em Salinger, alcançam até mesmo escritores ainda em atividade como Paul Auster, denso escritor americano, que teve seu livro Sunset Park catalogado como young adult apenas porque suas personagens principais são adolescentes.
A gama de definições do gênero é tão ampla que inevitável é a pergunta do que é composto um young adult. Normalmente, o diálogo entre leitura e público é feito de igual para igual. São narradores jovens que vivem os dilemas tradicionais da vida – mesmo que em universos de fantasia – e aproximam-se das dúvidas dos próprios leitores. Evitando densidade dramática, a execução da história pode ser ineficiente para alguns leitores. A trama se curva à fórmula de vendas.
A verve mercadológica parece esconder que, antes mesmo desta explosão do gênero, houve diversos leitores jovens que encontraram em narrativas universais um caminho para o gosto da leitura. Assim como clássicos literários utilizam-se de personagens infantis como narradores sem perder a mão firme ao narrar. O narrador infantil é uma máscara que apresenta um ponto de vista diferenciado, não menor ou mais frágil como muitos young adult. Mark Twain utiliza o conceito de maneira ímpar em Tom Sawyer e As Aventuras de Huckleberry Finn, o primeiro de narrativa mais pueril, o segundo como ruptura que abrange também a escritura da obra. Nos contemporâneos, Jonathan Safran Foer em Extremamente Alto & Incrivelmente Perto faz da curiosidade de Oskar o epicentro da narrativa, que brilha por meio do narrador astuto. Mesmo infante, o personagem tem uma gama infindável de conceitos e ideias que beiram a inteligência adulta.
Ao ler uma história young adult, o leitor precisa compreender o processo formular, aceitando-o, para realizar a leitura com estes parâmetros. Deixar o preconceito de lado é difícil, ainda que devido à abrangência e a uma gama de títulos há também histórias boas, bem escritas, densas na medida, que se perdem dentro deste emaranhado mercadológico à procura de vendas.
O britânico Mathew Quick se autodenomina um escritor young adult, ainda que situe seu penúltimo romance, O Lado Bom da Vida, como apenas um romance, sem nenhuma denominação além. Mesmo que ainda algum preconceito ronde o leitor, a trama de Perdão, Leonard Peacock é suficiente para desarmá-lo.
No dia em que Leonard Peacock completa dezoito anos, o garoto possui uma missão clara: desatar alguns nós do passado e, no fim do dia, suicidar-se levando como companhia um colega. A narrativa transcorre este dia rumo ao ato fatídico.
Leonard é o adolescente deslocado de uma massa que aparenta nenhum pensamento próprio. Fora do padrão adolescente americano, a personagem reconhece a solidão em que vive, as ausências de grandes amigos e a gritante relação desigual que tem com sua mãe, que está sempre focada no trabalho. A amizade é encontrada no vizinho, um velhinho que, como o garoto, é fã irrevogável de Humphrey Bogart. O desespero por conexão encontra apoio em uma garota, que no metrô distribui folhetos pregando uma vida iluminada ao lado de Cristo. Além de um professor que reconhece potencial no garoto, mesmo ciente de sua desorientação.
Inquieto por não se identificar com os conhecidos que o circundam, Leonard busca um sentido para a própria vida e, não o encontrando, resolve suicidar-se. Refletindo a sensação vazia que Holden Caufield, do clássico de Salinger, também sentia. Uma espécie de personagem que atrai o leitor por sua marginalidade.
Quick conduz com vigor a história do garoto suicida com uma leveza que reflete as inconsequências juvenis em que tudo parece banal ou exagerado, sem retirar o peso necessário da dor sentida pela personagem. Utilizando a figura de Bogart como um homem exemplar, nascem referências abundantes, o que torna questionável a denominação de young adult para este romance. Um adolescente saberia reconhecer um dos grandes atores de mais de cinco décadas atrás? É mais coerente acreditar no potencial universal desta história do que espremê-la a um único tipo de público.
As questões trazidas à tona pelo autor são sérias. Situam-se na difícil passagem da adolescência para a vida adulta, processo cada vez mais longo e demorado nos dias de hoje, em que adultos na casa dos 30 anos ainda vivem uma síndrome retardada de adolescente. Dando peso às relações que se tornam agressivas e às situações de poder que mudam as pessoas. Dentro da mentalidade adolescente de Leonard Peacock as incompreensões tornam-se ainda mais agravantes: a vergonha, a dor, a incompreensão de alguns acontecimentos de seu passado, revelados com sensibilidade pela trama, diagnostica o porquê de seu perfil deslocado, tornando-se plausível a ideia de um suicídio.
As teias que se estabelecem na história vão de encontro a um sentimento universal dividido por qualquer adolescente. O que não impossibilita que um adulto feito leia o romance e, por meio das próprias memórias, sinta as dores do garoto.
A barreira e o preconceito que o gênero young adult ergue pode afastar uma grande maioria de leitores que se interessariam por uma trama se ela simplesmente se anunciasse pelo que se é: a incondicional e dolorosa mudança da vida e os parâmetros que um dia parecem seguros e, em outros, estão dilacerados. Processos indeléveis da vida e, por consequência, matéria da arte.