Crítica | Orca: A Baleia Assassina
O velho artifício de tentar fazer sucesso baseado no sucesso de outrem é uma máxima hollywoodiana a muitos e muitos anos. A excessivamente longa introdução mostra uma contagem regressiva, que registra os sons típicos do mamífero gigante, acompanhado, é claro, da sempre competente trilha de Ennio Morricone – até nisto o filme busca inspiração no “episódio original”, pautando seu sucesso em outro gênio musical ligado ao cinema. A trilha é tão característica que torna-se impossível não esperar a vinda de um cowboy mal encarado e suado, mas o que se vê é um show de acrobacias, de baleias se exibindo enquanto o sol se põe.
Após a intro, registra-se um mergulho em mar aberto, com a figura perigosa de um tubarão se aproximando do mergulhador, mas nem de longe fazendo o estardalhaço do filme spielberguiano. A primeira surge somente aos cinco minutos de exibição, para logo ser transferida até um dos closes característicos do western spaghetti, que focava os rostos das pessoas assistindo o perigo de modo sensacionalista.
Após se surpreender com a identidade do mergulhador, mostrando Rachel Bedford, vivida pela voluptuosa Charlotte Rampling, que junto aos marinheiros, assiste a morte do tubarão branco. Todos estão surpresos, ela não, pois mesmo antes da câmera de Michael Anderson registrar, ela já sabe o que acometeu o animal: uma baleia assassina, claro, afinal, convenientemente ela é uma especialista neste tipo de animal.
Para enfrentar este perigo periclitante, é escalado o capitão do navio que captura crustáceos, Nolan, no que seria certamente o papel de sua vida. Ele é o Mister Quint (caçador de Tubarão, vivido lá por Robert Shaw) da vez, suas frases de efeitos são tão fortes quanto os arpões que impinge a si mesmo, e seus adversários são igualmente ardilosos, como a baleia boazinha que é atacada por ele, e que após ter um arpão atravessando seu corpo, ainda tenta se matar, jogando sua cabeça contra a ventoinha do barco. Para acabar com a moral do sujeito, o mamífero ao ser fisgado dá a luz a uma baleinha, numa cena que desconstrói qualquer possibilidade de bom gosto dentro da proposta do filme. A tragicômica historieta termina com uma lágrima descendo dos olhos da baleia morta, num enorme close, enquanto seu “parceiro” em alto mar emite grunhidos tocantes e finos, como o choro de um cachorro.
A vingança dos seres marítimos não tarda, o viúvo retorna com sede de sangue, focando o Dumbledore ainda jovem com seus expressivos olhos. Todo o subtexto presente em Tubarão é completamente inexistente neste filme. Orca trata de uma rivalidade, um imbróglio pessoal entre Nolan e a Baleia do bem que se tornou do mal porque o marinheiro se confundiu. Após algumas conversas edificantes com um índio – alguém que naturalmente tem conexão com a natureza, ao menos para o parco pensamento estadunidense – o capitão passa a pensar na possibilidade do problema com o mamífero gigante ter uma origem espiritual. A única coisa que não chega a ele é a possibilidade desse roteiro esdrúxulo estar sendo levado demasiado a sério.
O caçador – repare a quantidade absurda de alcunhas deste – entende ser a hipnose o melhor artifício para alcançar seu vilão. Sua psiquê está confusa, tão caótica quanto a continuidade da fita, que apresenta as faíscas de explosão sendo levados para leste e em segundos, levados para oeste. Aquela baía tem um complexo sistema eólico, sem dúvida alguma. E incrivelmente, a baleia parece saber até onde o seu nêmese está alojado.
O estridente ruído produzido pelo animal maldito é tão agudo que quebra taças de vidro contendo vinho: é a força da natureza, mostrando que não está fácil. Os ataques da baleia são certeiros, pontuais, pois acertam cada um dos entes queridos de Nolan, devastando a moral do marinheiro, deixando-o prejudicado moralmente. O marujo decide ir até o lugar em que teve o primeiro embate com o gigante, porque tinha certeza que ali seria um bom ponto de encontro. É interessante notar que a série de mortes que ocorreram entre os conhecidos de Nolan não aconteceriam se as pessoas estivessem alojadas longe da costa, uma vez que a baleia não tem poderes suficientes – a priori – para atacar em terra firme.
A baleia se desloca para uma área gélida, e os heróis decidem segui-la, até por que esse é o principal motivo do filme ser feito. Engenhoso, o animal empurra um bloco de gelo para cima do navio e afunda o transporte do seu inimigo. No último momento em que os rivais estão frente a frente, o homem hesita, deixando de atirar no animal mal intencionado. Ele cai na água, enquanto a orca o circunda. Todas as reflexões que deveriam ser feitas nesse momento sublime não o são, ao contrário, o “peixe” prefere matar seu nêmese como em um fatality, jogando sua carcaça contra a sólida rocha, para que ele morra em terra e deslize, caindo sobre a superfície aquática, tendo assim dois caixões. É deste modo, repleto de pseudos-significados que o filme de Michael Anderson se encerra, sem qualquer brilho semelhante ao filme que copiou.