Ratton faz da Minas Gerais de Ziraldo um bom cenário para as desventuras do protagonista. Os carros clássicos, bonitos e figurinos remontam a uma época que não remete os anos 90, é atemporal, e esse tempero faz o filme soar divertido e fora do escopo de sua época. Assistir hoje tem um pequeno problema, afinal não houve um trabalho muito grande de preservação do filme, mas excluindo essa questão técnica todo o resto é bastante divertido.
Um dos fatores que fazem impressionar é que as crianças aqui não são asseadas ou puristas. Elas são de verdade, vêem revistas de mulher peladas escondidas, brincam de concurso de peido, ficam tristes ao perceber o divorcio dos pais, uma vez que nos anos noventa a questão da separação legalizada estava se tornando algo mais normalizado. Essa aura de naturalidade não faz o filme ser imune a alguns problemas típicos do cinema brasileiro, como os diálogos mega expositivos, parecidos com os das novelas e folhetins da época.
Poucas vezes se percebeu uma adaptação tão fiel em espírito e tão reverencial a um ícone de quadrinhos como foi com o Menino Maluquinho/Ziraldo, isso em 1994, muito antes do boom dos heróis Marvel com X-Men, ou do início do MCAU com Homem de Ferro, e em uma época que muitas adaptações davam errado – Fantasma, Spawn, Dick Tracy – e impressiona que essa tradução tenha acontecido com Ziraldo, após toda a rotina e intimidade conturbada que o quadrinista passou após o período da Ditadura Militar. Até se vê um pouco da influencia política no roteiro, mas é evidentemente muito sutil quando apresentada, e é um caco no meio de um quadro maior.
A ida para o interior, para a casa dos avós de Maluquinho é outra viagem no tempo, não só da geração infantil, mas também do Vô Passarinho de Luiz Carlos Arutim, que adora utilizar balões, ou aviões bi motores. O elenco aliás é repleto de rostos conhecidos, Patricia Pillar faz a mãe do rapazinho, seu pai é feito por Roberto Bomtempo, Othon Bastos, Tonico Pereira e Vera Holtz fazem participações, mas nenhuma ofusca o elenco formado pelas crianças.
Mesmo os momentos mais irreais, como quando o vô Passarinho resgata os meninos de balão de uma mangueira, são charmosos, pois emulam o estilo engraçadinho de Ziraldo na revista. O filme tal qual o material base não tem compromisso de ser realista, e ainda se dedica a ser um objeto que além de trazer a luz um pouco do alter ego do desenhista, também mostra um choque entre garotos da zona urbana e os do interior, com toda uma inteiração divertidíssima e repleta de rivalidade.
Há muitos atalhos narrativos no roteiro de Alcione Araújo e Ratton, e uma certa pressa em colocar algumas perdas típicas da infância antes da partida decisiva do campeonato de futebol das crianças, mas nada que denigra a obra como um todo. Maluquinho é tão incrivelmente popular e carismático que tem torcida organizada mesmo sendo goleiro, e ele claramente põe a mão na bola fora da área. Até o “narrador” dedica suas melhores tiradas a ele e as suas quedas, levado pela música tema que Milton Nascimento fez para o filme.
Ratton faz uma obra simples, direta mas muito divertida e esmerada, que representa bem como a infância dos brasileiros seria, especialmente no caráter lúdico, Maluquinho é um jovem saudável, que tem um dia a dia conturbado, ainda que não lhe falte nada, e Samuel Costa traduz isso muito bem, causando certamente nas crianças que viram o filme na época um desejo de ter seus dias como o dele.