Crítica | O Beijo no Asfalto (1980)
O Beijo no Asfalto foi lançando durante a época das pornochanchadas, copiando de certa forma boa parte da iconografia desse movimento, ainda que tenha um estilo narrativo bastante diferente de seus pares. Muitos filmes baseados na obra de Nelson Rodrigues foram feitos nesse estilo, A Dama da Lotação, de Neville de Almeida, Toda Nudez Será Castigada, de Arnaldo Jabor, tem ambos um mergulho maior no modo de contar historias dessa época, a visão que Bruno Barreto dá sua obra é única, sendo talvez seu filme mais contido no que toca a nudez mas o que mais explora a área sentimental.
Em Dona Flor e Seus Dois Maridos, Barreto adapta Jorge Amado de uma maneira bem gaiata, mas seu modo de ler Rodrigues é demasiado dramático e é engraçado e curioso analisar a obra hoje em dia. No ano de 1980, havia ainda algum tipo de censura e tratar de uma historia cujos elementos discutiam homossexualidade era algo muito forte, mas o mais importante na atualidade é verificar questões como o modo que a imprensa lida com a população comum e como altera seu status quo a troca do nada, só para fomentar historias e crônicas.
O roteiro de Doc Comparato mostra Aprigio, de Tarcisio Meira tendo que lidar com o escândalo familiar, de seu genro Arandir (Ney Latorraca) ter beijado os lábios de um moribundo após o mesmo ser atropelado. Arandir é casado com Selminha (Cristiane Torloni) e vive também com a irmã mais nova dessas, a linda Dalia (Lídia Brondi), e há um conjunto de perversões e insinuações incestuosas bem comuns a literatura e dramaturgia de Nelson.
Não só se discute a questão da homossexualidade e o preconceito que a traz, mas também a maldade e sagacidade da imprensa, especialmente a figura de Daniel Filho, que faz um Amado Ribeiro asqueroso e também do policial Cunha, interpretado por Oswaldo Loureiro. A necessidade de criar um factóide não é orquestrada somente pelo jornalista, mas também pelo policial, que na sua gana de tentar fazer uma justiça que jamais precisaria ser cumprida, passa por cima de qualquer moralidade ou pensamento ético, vilipendiando até quem nada tem a ver com o tal “crime”. Há uma cena envolvendo os dois atores e Torloni que é forte, e que certamente marcou o imaginário do publico.
Tarcisio faz um Aprigio bem austero, e incapaz de se julgar qualquer “pecado” moral relacionado a homossexualidade,lembrando o óbvio, esse era o pensamento retrogrado vigente em plenos anos sessenta, e infelizmente ainda vigora para muitos. Não há como identificar em si qualquer desvio de conduta, ele era um sujeito livre de qualquer suspeita, o perfeito machão segundo a sociedade conservadora da época, mas que escondia um segredo, uma sexualidade reprimida por tantos anos de culpa que ele faz passar por cima da intimidade das duas filhas e a existência do genro. O Beijo no Asfalto termina meio poético, repetindo o ciclo do começo, com mais uma morte e mais um ósculo sob o asfalto do centro do Rio, localizado na Lapa.
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