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  • Crítica | Introdução à Música do Sangue

    Crítica | Introdução à Música do Sangue

    Introdução A Musica do Sangue 1

    Filme que deveria ser o retorno das atuações de Ney Latorraca aos holofotes cinematográficos, Introdução à Música do Sangue é o novo longa de Luis Carlos Lacerda, inspirado no texto de Lúcio Cardoso. Seu começo é em um ambiente campestre, bucólico como a rotina na fazenda, e silencioso exceto pelos sons típicos da natureza. Os detalhes são dados em maior parte no serviço doméstico da jovem Maria Isabel (Greta Antoine), que obedece calada e desanimada às ordens de sua mãe, interpretada por Bete Mendes.

    A falta de assunto e o tédio são tão gritantes, que até a chegada de luz nas terras é um evento digno de falas repetitivas, que claramente enfadam Uriel (Latorraca). O surgimento de um novo capataz, Chico (Armando Babaioff) muda o panorama  familiar com seu carisma, causando furor e ciúmes dentro do núcleo familiar.

    O deslumbramento de Isabel se dá não só pelos encantos do moço novo, mas também por qualquer detalhe mais elaborado da rotina dos seus. Mesmo a demonstração da louçaria é um evento digno de estupefação e novidade. Esse mesmo vazio de lembranças acompanha a geração anterior, o que dá margem a duas possibilidades: considerar que  todos têm problemas sérios de ordem mental; ou esquecimento por parte dos roteiristas que construíram o texto confuso. O arremedo de cenas inúteis se avoluma durante o longa-metragem, o que incomoda e faz perder a força das questões graves, como a supressão da sexualidade masculina na velha idade, e as insinuações incestuosas muito presentes na ideia do romancista.

    A metade final perde-se em meio ao texto, misturando diálogos mal orquestrados e artificiais, com contradições em relação às alcunhas familiares, basicamente aludindo a confusão sobre a filiação de Isabel. A nebulosa origem da moça rivaliza em banalidade com o passado negro  e infiel de Uriel, que causou na esposa o asco ao sexo. Não há apelo nenhum que desperte interesse pelas situações vividas, talvez somente chamando a atenção para a nudez de Antoine e Babaioff, ainda que passe longe da perfeição, já que não existe química entre a dupla.

    Lacerda tenta dar importância às suas cenas, pondo de frente passado e presente do clã, mas não há por onde explorar conteúdo, sequer dentro da óbvia alegoria de os erros do passado estarem se repetindo no presente. Copiar a fórmula de um filme intimista não é fácil, principalmente quando os fatores que preconizam o sucesso da empreitada não são igualmente repetidos a partir dos bem-sucedidos. O texto, as atuações, o histrionismo e a tentativa de realizar uma cena de conteúdo explicitamente violento, mas sem tratar o drama com esmero, pesa demais nos últimos atos dos personagens, completamente deslocados, piorados pelas péssimas performances, o que inclui até a atuação de Latorraca. Introdução à Música do Sangue carece de sentido, tanto na trama mostrada, quanto na necessidade em dar luz a uma fita tão problemática.

  • Crítica | Eles Não Usam Black Tie

    Crítica | Eles Não Usam Black Tie

    Talvez nem fosse proposital, mas a versão restaurada do filme de Leon Hirzman tem um início onde os créditos são apresentados em uma tela negra, sem som nenhum, como se quisesse inconscientemente remeter ao luto, consequente dos anos iniciais da década de oitenta. O drama baseado na peça contestatória de Gianfrancesco Guarnieri mostra um casal de apaixonados, Tião (Carlos Alberto Riccelli) e Maria (Bete Mendes), que tencionam tornar o seu tórrido romance em um matrimônio, uma vez que a moça tem um segredo para contar ao seu amado.

    A cabeça do metalúrgico Tião está na greve que se avizinha deles, quase ofuscando a chegada do bebê que sua amada esperava. De casamento marcado, os dois vivem em seu paraíso particular, curtindo suas histórias escapistas no cinema – tomando por exemplo a ficção científica Jornada Nas Estrelas: O Filme, de Robert Wise, igualmente fugaz em suas outras obras. O par de jovens está distante do estado de ebulição e do furacão emocional em que está a casa de Tião, com todos preocupados pelas condições da fábrica onde os homens da família trabalham, entre eles seu pai Otávio (Gianfrancesco Guarnieri) e seu irmão Bié (Fernando Ramos da Silva), além da inconformada mãe, Romana (Fernanda Montenegro) que é a principal voz de alerta para a precipitação da consumação da relação.

    A sexualidade latente nas atitudes das crianças, bem como a greve servem como signos da teimosia juvenil que ainda tomava conta das ruas. A polarização de ideais cada vez mais crescente fazia com que os homens tivessem que, mais cedo ou mais tarde, tomar posição, e isso logo ocorre com o sonhador Tião, que vê a partir de um colega de trabalho vir uma proposta, para que ele entregue algumas informações do modus operandis da categoria, que ainda discute os detalhes de como a categoria agirá.

    Enquanto os eventos dentro do sindicato estão cada vez mais ásperos e repletos de animosidade, a vida familiar de Maria começa a melhorar, com seu pai aos poucos largando a bebida. Em comum o casal de protagonistas têm no seio familiar alguns problemas, por ambos serem considerados ovelhas negras, como páreas mesmo dentro de suas casas, já que Otávio pensa muito mais no social e na sua classe do que no bem-estar dos seus

    Até o hábito do consumo alcoólico é utilizado para demonstrar a diferença de atitudes, já que Otávio não enxerga na bebida um problema e sim uma forma de socializar com aqueles que lhe são queridos, mas mesmo nos momentos de lazer, a violência que corre as ruas não deixa que pai e filho se esqueçam do velado terror que corre o asfalto, com um exemplar categórico, onde a polícia invade um boteco para assassinar um fugitivo, nos fundos do bar, enquanto na fábrica, as demissões seguem acontecendo.

    Francisco Milani vive o personagem Sartini, que dos revoltosos é o mais radical, que tenta quase sempre em vão inflamar os ânimos, sendo quase sempre tranquilizado por seus amigos Bráulio (Milton Gonçalves) e claro, por Otávio. Ao mesmo tempo em que o patriarca enxerga no extremismo um erro, mas na apatia algo até pior. A inconformidade do senhor o faz entrar em conflito com seu filho, que após guardar muita mágoa, solta seus impropérios e ofensas ao seu genitor, movido supostamente pela situação de ausência dele, nos anos de chumbo, quando Tião era ainda um menino e quanto o chefe da família estava em cárcere.

    A greve finalmente se instaura, deixando filho e pai em lados opostos. Os sindicalistas se mostram sem cabeça, com quase todos seus adeptos baseando seus movimentos na arruaça e na desmedida maneira de encarar as injustiças com o proletariado. O fantasma da prisão volta a assombrar Otávio, enquanto Tião apanha de seus colegas de trabalho, os grevistas que o culpam por furar o motim. Os ecos da repressão continuam assolando as pessoas comuns, o massacre faz até Maria se revoltar com seu futuro esposo, na prova cabal de que a repressão prossegue.

    Sebastião é condenado pelo júri familiar, com a pena de ser deserdado, por se aliar àqueles que se conformaram e que apoiam os patrões. Enquanto o primogênito se despede em viagem, os companheiros de classe sofrem as ações homicidas da polícia, tendo vidas valiosas cerceadas de modo cruel e brutalmente injusto, o que obviamente abala o emocional dos personagens, que em qualquer análise não passam de pessoas comuns, que mesmo após traumas tão fortes como os mostrados em tela, têm de voltar às suas vidas, à rotina sufocante de ter de trabalhar arduamente para produzir o seu próprio sustento sem as garantias mínimas de que poderão fazer isto sem sofrer qualquer selvageria, cujo rigor excludente é tamanho enquanto a contrapartida é ínfima. Os poderosos permanecem, o povo falece na penúria.

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