Crítica | Dredd
Sem fazer muito alarde em um ano no qual adaptações de quadrinhos dominaram a cena cinematográfica, chega essa nova versão do Juiz Dredd, policial casca-grossa dos quadrinhos ingleses. Conhecido pelo grande público graças ao filme de 1995 estrelado por Sylvester Stallone, desta vez o personagem ganhou um filme quase independente e de baixo orçamento. O que para os fãs foi uma boa notícia, pois possibilitou uma interpretação mais fiel às origens, que não fez concessões quanto à ultra-violência (a censura é 18 anos) e a marca registrada de NUNCA tirar o capacete.
Na trama, vemos um futuro pós-apocalíptico (existe outro tipo de futuro, aliás?) onde as metrópoles cresceram tanto que a criminalidade e o caos social chegaram a níveis alarmantes. A solução foi ampliar os poderes da força policial, os oficiais (chamados de Juízes) agora tem autoridade para julgar os crimes e aplicar as respectivas sentenças no momento da prisão dos suspeitos. Nesse cenário, Dredd é o mais temido juiz de Mega City One (cidade com 800 milhões de habitantes), e num belo dia tem a missão de avaliar a novata Anderson, que não passou nos testes para o cargo de juíza mas ganha uma chance graças a seus poderes telepáticos. Em sua primeira missão juntos, eles acabam presos em um gigantesco condomínio governado pela traficante Ma-Ma, que obviamente ordena a morte dos juízes.
Filmes do gênero, que apresentam uma realidade diferente da nossa, tendem a ser grandiosos, no sentido de contar uma história que vai alterar aquele status quo. Por isso mesmo, um dos elementos mais interessantes de Dredd é seu caráter episódico. Não vemos uma história de origem, nem um grande evento destinado a mudar a vida do protagonista. É simplesmente um dia de trabalho em que as coisas deram mais errado do que o habitual. Essa simplicidade de proposta, que alguns podem erroneamente enxergar como ponto negativo, se revela um alento de originalidade.
Também digna de nota é a inteligência do filme em usar suas limitações. Grande parte da ação acontece em cenários simples, e a pobreza do local justifica a fotografia escura. A exceção são os momentos em que algum personagem usa a droga slo mo, que reduz a percepção da passagem do tempo. Desculpa perfeita pra empregar câmera lenta e cores vivas, com um 3D muito bem utilizado, simbolizando a fuga daquele mundo sujo e cru. Pelo menos até o momento em que as balas implacáveis de Dredd arregaçam os corpos dos vilões, com uma riqueza de detalhes que chega a ser gore.
Apesar de prejudicado pela falta de queixo, Karl Urban faz um trabalho interessantíssimo como o protagonista. Focado inteiramente na base da expressão “bucal” (pois nem dá pra chamar de facial) e da voz sempre no mesmo tom baixo e rouco, ele constrói o personagem mergulhando na caricatura que ele é nos quadrinhos. E mesmo com o personagem não tendo desenvolvimento nenhum, chama a atenção sua praticidade e profissionalismo diante de todas as situações, por mais desesperadoras que pareçam. Ele não perde o controle e responde emocionalmente, mas se limita a aplicar a lei. Ou melhor, ELE É A LEI. Olivia Thirlby surpreende no papel da rookie juíza Anderson, pois apesar de ser uma gracinha ela convence enquanto durona. Já Lena Headey, conhecida por suas limitações, até ensaia algo interessante com sua canastrice aplicada a uma vilã também caricata, mas não fica só na sugestão mesmo, sua Ma-Ma não consegue assustar de fato.
Pra não dizer que o filme é perfeito, fez falta uma maior ênfase à fodacidade de Dredd. Fica apenas subentendido que ele é o pica das galáxias daquela cidade. Algo sem dúvida perdoável diante de todos os méritos que a produção teve. Por isso mesmo, não deixa de ser lamentável, ainda que previsível, o péssimo desempenho na bilheteria, tanto nos EUA quanto no Brasil (o único lugar onde o filme se deu razoavelmente bem foi no Reino Unido, terra natal do personagem). Com uma continuação praticamente inviabilizada, o que resta é que essa ótima experiência tenha seu valor reconhecido ao menos dentro de seu nicho.
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Texto de autoria de Jackson Good.