Crítica | Fúria
Nos últimos anos, no interior de seus personagens, Nicolas Cage tem sido um defensor da unidade familiar. Em Reféns (de Joel Schumacher) tenta defender a família de um grupo de assaltantes dentro de sua própria casa; luta por justiça após o estupro da esposa em O Pacto; e, contra o tempo, busca salvar a filha de um sequestro em O Resgate. Mesmo fora do escopo de ação, na animação Os Croods, dublou o pai de família preocupado com os perigos da pré-história.
Tentando reconquistar o merecido prestígio como herói de ação na década de 90, Cage estrela mais uma produção do gênero sem desprender-se da preocupação familiar. Em Fúria (também conhecida como Rage ou Tokarev), Paul Maguire é um homem com um passado sujo, devido a um envolvimento com o mundo do crime, mas que tenta viver atualmente de maneira honesta como um empresário empreiteiro. Após o sequestro da sua filha, Maguire se vê obrigado a retornar ao seu passado obscuro e a cobrar favores, acreditando que o desaparecimento da garota foi orquestrado pela máfia russa. Isso porque as balas encontradas na cena do crime pertencem a uma arma tradicionalmente utilizada pelos russos, a Tokarev do título.
A ação centrada em uma trama com um único propósito assemelha-se com as grandes produções da década de 80, em que personagens munidos de violência por um objetivo maior realizavam uma baixa agressiva de bandidos, seja à procura de entes familiares desaparecidos, seja por pura vingança. A ausência de cenas coreografadas, ou de destaques na estética luta corporal, demonstra a intenção de retomar um estilo narrativo anterior. São cenas simples e diretas, com uma dose de violência que estabelece verossimilhança sem o exagero de sangue contemporâneo.
Tentando reconquistar o carisma como um bom ator – desintegrado nos últimos anos por filmes mal desenvolvidos e interpretações rasas –, Cage evita excessos caricaturais anteriores, mas não é capaz de modificar o paradigma de sua interpretação costumeira. Entre gritos impositivos e cenas exageradas de drama, o ator tenta demonstrar capacidade cênica, porém parece preso ao estigma – e à dúvida – de um ator que um dia foi considerado bom e que, hoje, parece recorrer a uma gama curta de recursos dramáticos e cênicos.
A simplicidade narrativa e a tentativa do ator em ser demasiadamente neutro demonstram o pouco fôlego da produção. Ao mostrar o personagem em uma perseguição aos prováveis sequestradores de sua filha, a história não consegue aprofundar-se em um dilema moral traumático de uma figura violenta – como em Marcas da Violência de David Cronenberg –, nem ser funcional como trama de vingança em virtude de um papel central que não parece, de fato, aflito com o desaparecimento da filha. O passado obscuro do personagem recorre aos clichês eventuais envolvendo máfias e organizações de cunho duvidoso, um elemento que nem mesmo causa apreensão ou um senso de peliculosidade.
Se Fúria não peca por excessos plásticos, também não demonstra habilidade em fazer bom uso da simplicidade temática. Se qualifica como enredo de ação transitória que pode promover o divertimento, mas que logo será deixado de lado pelo espectador após a exibição do filme. Ao repetir o mesmo estilo de personagem nos últimos anos, Cage insiste em resgatar um passado que parece não mais retornar. Talvez seja o momento para procurar outros papéis diferentes do costumeiro conforto interpretativo, compor novos desafios, e conquistar, ao menos parcialmente, o requinte do ator que já logrou uma estatueta dourada.