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  • Crítica | Nada a Perder 2: Não se Pode Esconder a Verdade

    Crítica | Nada a Perder 2: Não se Pode Esconder a Verdade

    Após um primeiro filme contestado, de bilheteria recorde e muita polêmica dentro e fora de seu drama, a continuação de Nada a Perder chegou pouco tempo depois, com o mesmo Alexandre Avancini como diretor, se inciando dessa vez com uma perseguição, de uma mulher, uma suposta fanática religiosa, agredida por uma pessoa de uma multidão, que se esvai assim que ela cai. A cena ao mesmo tempo é muito bem filmada e muito mal pensada, pois não faz muito sentido uma reunião assim e uma violência tão pequena.

    Nada a Perder 2: Não Se Pode Esconder a Verdade sai do momento citado para ir até uma época mais atual, com Edir Macedo de Petrônio Gontijo com uma barba branca grande. Claramente há um maior arrojo visual em níveis de fotografia e cenários (pois figurinos e maquiagem continuam dignos de riso), e também, trata de aludir as polêmicas que envolveram a carreira e ministério de Macedo a frente da Universal. O biógrafo fala que vai falar de temas espinhosos,ao mesmo tempo que não demora nem seis minutos para se falar que até o dinheiro que foi utilizado no casamento de sua segunda filha, veio das vendas de livros, e não dos dízimos e ofertas e fiéis.

    O filme se calcifica bastante o argumento de que a perseguição aos  pastores e bispos ocorre pelo fato deles pregarem o evangelho. É incrível como esse argumento falso rivaliza com a tentativa dele de expandir, indo para os Estados Unidos para pregar em espanhol. É tudo muito artificial, desde o cabelo de Edir, que varia entre perucas preenchidas e outras calvas, até os diálogos, que miram a perseguição que os religiosos sofrem.

    O texto passa por algumas questões polêmicas, como quando um bispo chuta a santa diante das câmeras, embora não se culpe muito o mesmo por isso e se carregue demais no drama. Há um exagero enorme com a violência que alguns fiéis sofre, um sensacionalismo barato e mais falso que as tentativas dos bispos e pastores de fingir que são todos inocentes, vítimas de uma luta santa, além do que há graves desvios da realidade, como a benevolência e paciência com outras fés que Edir parece ter, quando a realidade, é que boa parte de sua fortuna vem de uma literatura que condena (e muito) outras religiões, e isso é até usado como argumento no filme, lá na cena inicial o casamento.

    A saga Nada a Perder é muito vaidosa, a abordagem é tão tola que chega a parecer sonsa. Mente-se sem pudor e claro, por ser uma biografia, uma ficção pode-se claro lançar mão de artifícios que não ocorreram, mas quando isso é tratado como verdade absoluta, e quando se usa tanta desonestidade para preencher o drama, é terrível. A carreira de Macedo é longeva demais, não é preciso inventar nada, nem a reação das pessoas. Os protestos na igreja, parece um ativismo político, e os políticos de verdade retratados no filme, são todos corruptos e malvados, mas não se aborda as tentativas de adentrar a política que a Universal fez já tão cedo. Mal se tem o Bispo Rodrigues, que foi um ex-bispo que entrou na política e foi caçado quando deputado federal.

    A necessidade de se colocar como vítima, como centro de uma perseguição interna, e de mostrar as pessoas no entorno de Macedo sendo hostilizadas tem evidentemente um fundo de verdade, pois pessoas públicas tendem a ser visadas, mas todo o teatro e as surpresa das pessoas ao perceber que seriam mal vistas depois da instrução de Edir aos seus obreiros e pastores para arrancar mais dinheiro dos fiéis só não é risível porque a toda aqui é melancólica.

    Há uma mentalidade manipuladora muito forte por trás do roteiro de Emilio Boechat, uma métrica que põe  os evangélicos como o grupo mais perseguido do país, imune a qualquer culpa que lhe é atribuída. Avancini traz a luz uma obra quase herege, pois martiriza tanto seu herói que o deusifica, o iguala ao sacrificado Jesus Cristo dos Evangelhos de Mateus,  Marcos,  Lucas e João, e o torna um sujeito tão abnegado e preocupado com tudo  que o faz irreal. Até seus erros são humanos demais, sanguíneo e torto demais. As músicas sentimentais pioram o quadro e tornam tudo ainda mais desonesto. Para quem tem estomago é difícil terminar o filme, dada toda a fantasia pseudo edificante pela qual passa Edir.

    As privações, escoriações e  a peregrinação rumo ao Monte Sinai melhoram um pouco a trama, mas se tratando de um filme biográfico que tenta tornar um homem cuja carreira é tão discutível moralmente. Ao menos, o filme é honesto em um ponto, mostrando os políticos opositores a si sendo inquiridos prioritariamente pelos jornalistas da rede de TV do próprio religioso, reforçando a crença de que a Universal dá  vazão a perseguição dos que se opõe a ele.

    A sequencia em Soweto, que dá início a fase de expansionismo internacional da seita é engraçada e preocupante, engraçada porque Gontijo fica visualmente ridículo de cabelo cortado como careca, e preocupante porque reforça a ideia idolatra em torno do Bispo, e nada se fala sobre a perseguição que o mesmo fazia as religiões de origem africana. É curioso também notar que a Ester de Day Mesquita mal envelhece. Em determinado ponto, Macedo é tão caricato ao falar de levar as pedras de Israel para o Brasil, que faz pensar que esse e o outro filme talvez sejam fruto do delírio dele, uma invenção mental de proporções megalomaníacas, que inclusive contradizem as escrituras proféticas, já que a promessa é que Jeová restauraria o Tabernáculo de Davi, que era simples, e não o de Salomão, que era suntuoso.

    Passados mais de 80 minutos, se quebra a quarta parede, mostrando o real pastor, pregando no Templo de Salomão para muitas celebridades, como Gugu, Dilma Rousseff, Michel Temer, Celso Russomano, empregados da Record e políticos ou perseguidos atualmente pela milícia religiosa ou envolvidos com grandes casos de corrupção, e isso de certa forma soa como um mea culpa em forma de ato falho, uma assinatura de culpa no serviço a dois senhores que é típico da carreira eclesiástica. A tradução do livro para a tela é bastante grotesca, perigosa e apenas um dos muitos pecados do homem que um dia sonhou expandir sua influencia castradora e intolerante, tendo até fotos reais que desmentem boa parte das cenas do filme. Não é preciso ir muito longe para perceber as falácias, é só observar atentamente.

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  • Crítica | Nada a Perder: Contra Tudo, Por Todos

    Crítica | Nada a Perder: Contra Tudo, Por Todos

    Antes das sessões de Nada A Perder – Contra Tudo Por Todos, alguns dos fiéis da IURD distribuem lenços com mensagens que deverão ser orados ao final. Esse simbolismo é uma das marcas do trabalho ministério espiritual de Edir Macedo, e é claramente inspirado no misticismo típico de algumas religiões afro brasileiras, feito até mesmo aventado no filme de Alexandre Avancini. Ainda que a cinebiografia de Macedo seja chapa branca, e esconda as perseguições que o mesmo cansou de fazer com os membros desses sectos religiosos, sempre tratando como servidores do demônio, o roteiro de Emílio Boechat e Stephen P. Lindsey é certeiro no sentido de idolatrar seu homenageado. Quase uma contradição, afinal, a luz da Bíblia e das palavras do próprio Edir, cultuar pessoas é pecado.

    O filme estava em cartaz há quatro dias quando assisti. Não houve cabine de imprensa e tentei pagar pelo ingresso, sem sucesso, nos dois primeiros dias de exibição. Sessões esgotadas nos cinemas do subúrbio do Rio de Janeiro. Sendo assim, só consegui no primeiro de abril, na Páscoa, não por acaso em um domingo de tarde, dia de culto. Ainda assim, a sessão estava com boa quantidade de público, presentes para assistir a jornada do bispo, desde sua infância traumática, até se tornar um jovem adulto que trabalhava em uma agencia lotérica como contador. Vivido nesta fase por Jose Victor Pires,  o personagem se converte ao evangelho protestante, discutindo assim a fé católica romana.

    Abandonado pelos amigos e até por sua namorada – que reclama da falta de sexo – ele encontra refugio no Jeová da igreja evangélica. O filme super valoriza a rejeição que o ministrante do evangelho sentia por ter um defeito nas mãos e ainda trata de maneira jocosa celebridades que o cercavam, entre elas Silvio Santos e R R Soares. O longa não é documental, aliás, foge em excesso da realidade, ao beatificar o personagem principal, fazendo dele um mártir, um sujeito que é proibido sempre de pregar.

    Petrônio Gontijo tenta copiar os trejeitos do futuro bispo, especialmente quando é mais moço e aparenta ter dificuldades de locomoção, dada o quão duro são seus movimentos. Seu Edir Macedo, desde a meia idade, parece sofrer de reumatismo. Sua personalidade é esquisita, sem carisma ou capacidade de atrair a atenção de quem que seja, sejam os fieis ou sua futura esposa.

    Há uma cena de exorcismo, bastante curta e muito bem feita, mas ainda assim é tímida. O ministrante que ficaria por entrevistar possessos mal tem oportunidade de produzir sua especialidade. A partir daqui começa a jornada da Universal do Reino de Deus, parte passada de maneira muito rápida. Não há nenhuma menção da atuação política da igreja, como o ingresso de pastores e bispos que se envolveram na câmara dos deputados estaduais e federais. O mais próximo disso, é uma menção a uma manobra da época de Fernando Collor que ajudou a igreja a capitalizar o que precisava para completar o dinheiro que quitaria as parcelas da compra da Rede Record de televisão. Mesmo essa questão primordial é mal explicada, basicamente se menciona e mais nada. Além disso, a própria compra da emissora é feita sob uma ação um pouco teatral e extremamente artificial.

    O filme termina com uma oração do próprio Edir Macedo, no jardim do luxuoso Templo de Salomão. Deixando a sensação de que esse é um filme para conversação de almas, tão forçado quanto o testemunho do mesmo. Uma pena, para dizer o mínimo, já que boa parte da bilheteria do filme é paga pelos fiéis, motivados por seus pastores que fazem comprar os ingressos, como já havia sido feito em Os Dez Mandamentos: O Filme. Essa questão, além de anti ética e desonesta, tecnicamente é pecado também, pois é uma trapaça, um subterfúgio.

    Nada a Perder promete ter uma continuação, e certamente não tocará em assuntos polêmicos, como a ascensão de Marcelo Crivella (atual prefeito do Rio de Janeiro), a prisão de antigos bispos envolvidos com política, perseguição a religiosos de Umbanda, Candomble e outras religiões, bem como a cobrança de dinheiro dos fieis para a construção de templos enormes ou a propagação do chamado evangelho da prosperidade.

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  • Crítica | Os Dez Mandamentos: O Filme

    Crítica | Os Dez Mandamentos: O Filme

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    Dada a importância narrativa da libertação do povo hebreu e seu apelo entre os fiéis, muitas obras retrataram Moisés em diversas épocas. O recente Êxodo: Deuses e Reis de Ridley Scott mostrou ao público uma versão mais realista da história, com um Moisés trocando o cajado característico de sua jornada por uma espada de ouro. Em 1956, Cecil B. DeMille, com seu Os Dez Mandamentos, narrou a história do profeta com tamanha beleza, produção e efeitos especiais impressionantes para a época que se tornou o clássico definitivo do relato bíblico. Outras produções menos pomposas logo surgiram, como a versão ítalo-britânica de Gianfranco de Bosio, A Terra Prometida – A Verdadeira História de Moisés. Com trilha de Ennio MorriconeBurt Lancaster no papel do emissário de Deus, a obra foi lançada como minissérie em seis episódios para a televisão e depois editada em versão de cinema com duração reduzida pela metade. Assim como a fita de Bosio, Os Dez Mandamentos – O Filme não foi inicialmente pensado para a grande tela, e talvez por isso tenha tantos problemas. Primeiro fruto de uma nova produtora dedicada a projetos para o cinema, a Record Filmes, a película sofre da inexperiência da empresa e também de seu diretor, Alexandre Avancini, que já trabalhou em outras novelas, mas iniciante na sétima arte. Como marco da primeira produção, não condiz com a expectativa de um bom filme.

    A obra é orientada pela estrutura narrativa tradicional da história de Moisés, encontrado em um cesto à beira do rio Nilo pela filha do faraó e educado na corte como príncipe. Mesmo que siga uma sequência cronológica mostrando a vida do profeta, um recurso didático para situar o público em sua trajetória, sobram cortes bruscos em eventos antes da descoberta da origem do protagonista. A interferência da montagem é tamanha que afetou o encadeamento das cenas, perdendo a percepção lógica dos acontecimentos. Sem planejamento, transformou-se em um recorte de sequências que só estão ali para demonstrar o poderio cinematográfico de apelo visual dispendioso investido pela emissora, como as cenas em câmera lenta, utilizadas em exagero no início do filme, e os efeitos especiais em cenas chave, como a das 10 pragas e da icônica abertura do Mar Vermelho.

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    Interpretado por Guilherme Winter, Moisés descobre ser escolhido por Deus para libertar os israelitas da tirania do domínio egípcio. Winter não transmite credibilidade e parece estar o tempo todo discursando para um público distraído. Suas falas são pomposas e passam longe da humildade característica do profeta. À medida que o filme se desenvolve, porém, sua atuação melhora, demonstrando que o ator ainda não havia encarnado no personagem de fato. Uma falha que, se não perceptível em uma novela de 176 capítulos, é ampliada no filme de duas horas.

    A maioria dos personagens apresentados é burlesca, exagerada na dramaticidade própria da linguagem da telenovela. Sérgio Marone, o Ramsés, o irmão egípcio do líder hebreu e agora rei, não encontra um tom de atuação: ora condescendente com a figura fraterna, ora perdido com a responsabilidade de governar. Embora o ator tenha nuances, ele não as usa de modo coerente com o personagem. Por outro lado, a atuação de Paulo Gorgulho, que interpreta Amrão, pai de Moisés, sobressai-se perante os demais mostrando-se mais porta-voz da fé que integra o povo hebreu que o próprio filho, liderando os iguais a acreditar na libertação e no retorno a Canaã. Representado por uma voz grave e soturna do além, o conceito de Deus no filme de 1956 de DeMille é mantido, o que comprova que, embora a novela tenha um projeto próprio de adaptar uma história clássica, ainda remete ao que o público já conhece. Ambas reverenciam a entidade sábia e revoltosa do Velho Testamento, escrito em uma época na qual creditavam os infortúnios à divindade dominada pela fúria e justiça divina.

    Os Dez Mandamentos – O Filme, cujo final de semana de estreia já somou mais de dois milhões de ingressos vendidos, não soube transportar uma mídia a outra e parece agradar ao público religioso pela carga popular que a novela sustenta. Levado pelo sucesso do folhetim, que se tornou referência nacional como a primeira telenovela baseada em uma história bíblica, o filme no entanto carece de qualidade cinematográfica e técnica, provando que não basta investir milhões em efeitos especiais quando o básico – montagem, continuidade, ou simplesmente edição – torna-se mero figurante no processo de fazer cinema.

    Texto de autoria de Karina Audi.