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  • Crítica | À Sombra de Duas Mulheres

    Crítica | À Sombra de Duas Mulheres

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    Assim como em seu filme anterior, O Ciúme (La Jalou­sie), o diretor Philippe Garrel optou por filmar em P&B e película – o que dá um ar mais cru ao filme ao mesmo tempo que demonstra um ar nostálgico de filmes antigos. Além disso, a ausência de cor enfatiza a diferença entre a inexpressividade de Pierre (Stanis­las Merhar) e o fascínio causado por Manon (Clotilde Courau).

    Pierre e Manon são casados. São pobres. Fazem documentários que são seu ganha-pão e se viram como podem para sobreviver. Ele conhece uma estagiária, Elisabeth (Lena Paugam), que se torna sua amante. Ainda ama a esposa e não tem a menor intenção de se separar dela. Para ele, é natural “ficar” com ambas. Em certo momento, o narrador eventual verbaliza a argumentação machista que, por ser homem, ele tem o direito de ser infiel, afinal é da sua natureza. Por outro lado, Manon também tem um amante, apenas para se sentir amada, já que Pierre parece já não ter mais os mesmos sentimentos por ela. Ao descobrir isso, Pierre passa a olhar Manon com outros olhos – não exatamente num viés romântico, mas sim controlador. Mesmo depois de Manon terminar o relacionamento com o amante, Pierre a segue, querendo certificar-se de que diz a verdade. Clássico exemplo de “dois pesos e duas medidas”, já que ele sequer cogita terminar com Elisabeth.

    Vale notar o contraponto feito entre a traição de Pierre e de Manon. Enquanto Pierre e Elisabeth ficam reclusos, praticamente confinados ao minúsculo apartamento dela, Manon desfruta dos espaços públicos do café em que encontra o amante. Tem-se a impressão de que, enquanto o adultério masculino é introspectivo, o feminino é de certa forma libertário.

    O roteiro é bastante eficiente ao trabalhar a densidade e a tensão do tema ao mesmo tempo que inclui algumas cenas mais leves, não só como alívio cômico, mas de forma a dar verossimilhança à história. Afinal, nem tudo é tragédia. Por mais dramática que seja a situação, há sempre aquele momento de distração, de mal-entendido, de atos falhos que causam risos inevitáveis.

    O filme é um escrutínio da vida amorosa do casal, com seus altos e baixos, suas idas e vindas, mas no final é apenas mais uma variante sobre o tema infidelidade. Interessante, bem filmada, mas apenas mais uma.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Ciúme

    Crítica | O Ciúme

    Um homem vive sua vida com a mente no passado, relembrando como eram os momentos áureos de sua carreira artística, em detrimento das poucas ofertas de trabalho que lhe apareceram. Louis (Louis Garrel) tem a confusão como modus operandi, em sua rotina empregatícia e amorosa. Em paralelo à sua derrocada na arte, há uma separação dele de sua atual esposa, a mãe de sua pequena filha, para assumir uma nova relação, livre das amarras da monogamia.

    A direção de Phillipe Garrel destaca o modo ensaísta de contar sua história, preconizada por um estilo narrativo modesto, sem qualquer medo de não apresentar pretensão. A fotografia em preto e branco torna óbvias as referências ao expressionismo, especialmente nas cenas solo, onde a mulher chora sozinha as mágoas da relação que inexiste e com os modos diferentes de suportar a dor da perda.

    Quando Louis é enquadrado ao lado das mulheres que são (ou que foram) seus pares, há um incômodo latente em sua expressão, relembrando o quão inadequado ele está com seus sentimentos, apesar dele ter sido o causador da mudança. O filme é predominantemente silencioso, com uma trilha presente quase sempre nos momentos de tensão e perseguição – esta remete à angústia e ao sentimento de perda.

    O choro e o medo fazem lembrar que mesmo que o desejo predomine sobre o amor, ainda há muito o que se perder quando uma relação é findada. O paradigma da posse sentimental é duramente escrutinado, sem qualquer necessidade de encontrar-se uma solução aceitável ou de moral positivista.

    O triangulo amoroso, de situações estranhas, faz lembrar o quão inexoravelmente complicadas são as relações e quão intrínseco pode ser o modo de vivê-las. O guião expõe de modo cru como o homem age, sem perspectiva de redenção ou vacilo de bom mocismo, mesmo com toda a trama envolvendo uma infante, que vive a absorver o comportamento errático dos que deveriam cuidar de si.

    A busca do protagonista por múltiplas parceiras revela o vazio existencial pelo qual passa, com a promiscuidade simbolizando a sua vontade de voltar no tempo, retornar a uma época sem maiores responsabilidades, de livre sexualidade. O clichê amoroso é exibido de um modo que foge da pieguice habitual do cinemão americano, deixando a reflexão por conta do público, sem indução de mensagem.

    A demanda pela identidade é a tônica em comum a quase todos os confusos caracteres mostrados em tela. As personas vão na direção de seus erráticos corações, como atores em uma peça de teatro grego, que por não terem as suas máscaras, não conseguem exercer plenamente seus papéis. A metalinguagem teatral do guião faz exacerbar a sensação tragicômica, elevando a realidade para um estado de limbo, onde a existência é bem difusa, cujas reações não se resolvem por si só.

    A conclusão do caso exibe a necessidade da posse, tolamente ignorada durante a exibição do drama. A moral do filme não é uma ode a monogamia, mas expõe uma mente constipada, cujo caráter de confusão forma um indivíduo emocionalmente inacabado, que não consegue se resolver sozinho, como a maioria dos humanos carentes.