Resenha | O Sal do Leviatã – Alexandre Guarnieri
O Sal do Leviatã, da editora Penalux, é o novo livro de poemas do experiente Alexandre Guarnieri. O poeta tem outros cinco livros publicados, participação em diversas antologias e renomados sites literários, e foi o vencedor do Prêmio Jabuti pelo livro Corpo de Festim, em 2015. Depois de ganhar a maior condecoração literária do país, você, leitor, poderia achar que as ambições do poeta minguaram. Aí o nosso erro – o propósito do poeta é a própria Poesia; mergulhar mais profundo no universo da palavra a fim de conquistar uma nova dimensão real, apesar de fictícia, acima dele mesmo. E em seu novo livro é isso que encontramos: uma nova profundidade para a palavra.
O fundo do mar é misterioso. Entre o universo e as profundezas abissais que nos cercam, conhecemos mais o céu que o oceano. Não por acaso, desde os sumérios (a primeira civilização da História, erguida entre os rios Tigre e Eufrates), o mar é criador de mitos – e o livro de Guarnieri nos brinda com isso. Divido em duas partes, Maré Alta e Mare Nostrum, o poeta se dispõe a versificar cada aspecto real ou fictício dessa imensidão líquida que nos rodeia. Uma tarefa ousada e ambiciosa que encontra forma tanto na versificação quanto na linguagem diversa empregada para ilustrar as sinuosidades marinhas.
Na primeira parte, os poemas se movimentam tal qual marés e carregam uma importante ressignificação: o mar menstrua. O mar é uma lavoura com safras colhidas pelos que sobrevivem à superfície. Com versos sem forma fixa e muitas assonâncias e aliterações, bem como sinais gráficos para simular o vaivém das ondas, o poeta resgata um conhecimento mitológico e científico que devolve ao mar o berço da Humanidade. E não apenas berço, as águas são um dínamo aos terrestres. As metáforas de mar como também máquina invisível do mundo intensificam sensivelmente os versos de forma que podemos ouvir as ondas ao redor – há uma catarse que resgata memórias de oceano.
Na segunda parte, Guarnieri resgata o fantástico sobre o mar, os locais mitológicos rodeados por ondas, as grandes descobertas além-mar, os grandes perigos, os monstros que lá vivem, e o próprio enigma marinho: o desconhecido. Aqui os poemas assumem um tom mais descritivo, não encontramos as formas obtusas, e os versos nos sustentam pela fabulação e análise dos acontecimentos líquidos. Ainda encontramos assonâncias e aliterações, todas dentro de uma lógica interna afiadíssima com o vocabulário náutico e marinho. O verso é a nossa âncora.
Quero ressaltar que o trabalho do autor em simular o caótico movimento marinho alcançou o seu objetivo. Sobretudo na primeira parte, todos os versos são malevolentes, carregam sal à própria palavra e parecem nos transpor à praia. (Mesmo eu que não sei nadar, passo a ter uma boa memória do oceano.) Vários versos são excelentes composições poéticas e, especialmente, “dínamo marino”, é para emoldurar na sala. O Sal do Leviatã é o resultado de muito trabalho sobre a palavra. Há um refinamento na composição poética que intensifica o objetivo do livro e o faz um dos melhores de poesia publicados no ano. Grande dica de leitura e tenha as meias limpas, porque você vai se molhar.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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