Resenha | Stoner – John Williams
Toda obra literária, em maior ou menor grau, está interligada a época de sua concepção. Conforme novas gerações a leem, novas interpretações surgem, alimentando a pluralidade de análises a partir da leitura inicial. Muitas obras canônicas conhecidas como grandes clássicos da literatura passaram pelo crivo de gerações diferentes durante séculos, estabelecendo marcos, críticas, elogios, divergências. Fatores que comprovam a grandiosidade da própria obra literária.
Lançado em 1965, Stoner de John Williams é um desses livros que ganhou reconhecimento e novo fôlego a partir de uma nova geração. O romance voltou a cena em 2013 como uma obra-prima esquecida. Elogiada por autores contemporâneos, republicada no original e traduzida para outros países, a trama também se tornou sucesso em terras brasileiras: lançada pela Radio Londres o romance está em sua segunda edição, relançado em capa dura e com prefácio do escritor Peter Cameron.
Stoner é uma obra paradoxal devido a sua temática e escrita. A trama é simples, abordando a história de William Stoner, um pacato professor de literatura que o leitor acompanha do começo ao fim da vida. O próprio Williams foi um professor na Universidade do Missouri. Sem dúvida, parte da construção de seu personagem se baseou em sua própria experiência. Porém, o que sustenta o paradoxo narrativo é que uma história de estilo tão brusco e seco produz um sentimento vivo.
Como narrador, Williams evoca uma vida áspera, compondo frases diretas e simples, como se a dureza da escrita representassem a época. Conforme descreve a trajetória de Stoner, porém, o leitor percebe que se trata de um recurso estilístico bem utilizado para representar a inadequação da personagem. Stoner não é um homem frio, apenas distante daquilo que configuraria-o como um homem normal em sua sociedade.
A obra é capaz de criar um personagem central intenso e traçar um panorama de como era o americano na época da narrativa, situada de 1910 a 1950. Em uma época em que havia maior tentativa de sustentar valores como sucesso e casamento, os laços permanentes ficavam a margem de um fardo pesado, ao invés de um genuíno momento feliz. Stoner é uma figura de seu tempo. Um homem que fez da literatura sua inspiração e fuga, contemplando pouca felicidade além dela. As tentativas de realizar atos cotidianos, como um casamento, um filho, sempre resultaram em uma espécie de conflito que contraria a personagem, como se ela fosse incapaz de compreender o por quê de uma vida tão desarmônica.
De fato, as relações que permeiam o personagem sempre parecem distanciadas pelo próprio Stoner. Os amigos são destacados como grandes possibilidades de encontro, a esposa como um alguém incompreensível e, dentre esses pequenos detalhes, reside o grande valor de Stoner como obra: os pequenos fatos diários, a dúvida que permanece durante a vida, mesmo diante dos momentos mais insignificantes; a sensação de incompreensão mesmo quando tudo deveria ser compreendido. Nesse ponto, leitor e personagem se unem pelo amor a própria leitura. A vida quase insignificante de Stoner, porém, é vista como uma grande trajetória. Quando se compreende a cada capítulo que aquele homem distante, dedicado a literatura é somente alguém que não seguiu a mesma lógica da sociedade da época, a identificação é imediata.
Stoner é um precioso romance que se aprofunda sobre pequenos detalhes de uma vida. Enfoca os micro-acontecimentos, principalmente evidenciado as ações comuns mas que, para o personagem em questão, são atos extraordinários por fazerem parte de sua trajetória, mesmo que ele não reconhecia tal afirmativa com clareza. O tempo, alias, é um fator preponderante na trama, um distanciamento proposital para que tudo seja colocado em perspectiva. Fora dela, o tempo também foi crucial para que a obra de Williams alcançasse o seu merecido patamar de destaque. Não a toa, um grande número de leitores recomendam a obra como uma narrativa essencial do último século. Em sua observação aguda sobre os pequenos atos, Stoner é uma narrativa grandiosa.
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