Crítica | Mogli: O Menino Lobo (1967)
Baseado no Livro da Selva de Richard Kipling, a décima nona produção da Walt Disney Pictures almejava dois objetivos primordiais em sua estreia em 1967: reerguer a moral do estúdio, combalida após o lançamento de A Espada Era Lei, cuja bilheteria foi considerada baixa, e, simultaneamente, honrar o legado de Walt Disney, falecido durante esta produção.
O sucesso de Mogli – O Menino Lobo foi eficiente para que o estúdio saísse da turbulenta década de 1960 com um saldo positivo, equilibrados entre dois grandes lançamentos, 101 Dálmatas e este, em contraposição com uma obra aquém do esperado e a perda inestimável de seu grande produtor.
Semelhante a outras obras como A Bela Adormecida e Branca de Neve e os Sete Anões, a trama se inicia com a abertura de um livro, sugerindo explicitamente ao público o início de uma história. Em comparação com a obra original, a composição narrativa foi modificada para apresentar uma trama solar, desenvolvendo a fórmula familiar das animações do estúdio. Contornos mais sombrios e profundos do romance cedem a um enfoque simples que preza, primordialmente, por uma história leve com situações cômicas tradicionais e apoiadas no humor físico. Habitante da Índia, Mogli é um garoto criado por lobos, vivendo seu cotidiano na floresta. Após o anúncio do retorno de um tigre que odeia humanos, seus amigos Baguera e Balu, uma pantera e um tigre respectivamente, decidem levá-lo contra sua vontade a uma aldeia de humanos.
O roteiro assinado por Larry Clemmons, Ralph Wright, Ken Anderson, Vance Gerry apresenta a mesma estrutura episódica do livro, falhando em apresentar uma maior linearidade aparente. A jornada aventureira do trio central elenca diversos animais típicos da floresta, representando um panorama geral do local. A cada encontro, o grupo compartilha um momento em conjunto e segue a viagem, uma sequência de acontecimentos que se assemelham a pequenas esquetes, sem um fio narrativo maior que costure tais personagens. Se o roteiro falha em uma continuidade temporal adequada, as personagens estão bem delineadas em cena, cada qual com personalidade distinta e focada em um humor de situação que produz riso.
Neste espaço, a trama desenvolve as carismáticas cenas musicais, tradicionais do estúdio, com direito a uma canção indicada a Melhor Canção Original, Somente o Necessário. Tanto as canções quanto a trilha sonora são ricas, desenvolvendo uma boa mistura entre o jazz americano e uma sonoridade da cultura local, fundamentando o ambiente explorado. Os efeitos sonoros pautam a maioria das cenas de humor e demonstram uma interessante escolha narrativa em que o som e suas representações em cena ajudam a narrativa visual.
Porém, a falta de uma maior linearidade que desenvolvesse as cenas em uma trama maior retira parte da força narrativa, que não se consagra no panteão de clássicos supremos do estúdio. A história submersa à trama principal, narrando a amizade do trio central, é desenvolvida em contornos mínimos, com um desfecho sem emoção.
Ainda que menor em relação as outras obras, Mogli: O Menino Lobo se mantém como celebrada obra do estúdio com uma continuação lançada direto em home video e duas adaptações cinematográficas em live action, uma lançada em 1994 e uma contemporânea com direção de Jon Favreau (leia nossa crítica).
Como padrão nos lançamentos da Disney no país, a Edição Diamante lançada em 2014 foi redublada com a mesma equipe que versou a sequência de 2003. A clássica dublagem da Rio Som se perde na adequação à linguagem e ao conceito contemporâneo de dublagem, porém, para o público antigo cuja memória afetiva é oriunda da versão anterior, é possível encontrá-la em duas edições em DVD lançada em 2000 e 2007.