O coletivo Porta dos Fundos publica vídeos semanais no Youtube e de vez em quando, se aventura a publicar algo além de esquetes. Há séries bem legais , na própria plataforma, participações em dublagens – como em Festa da Salsicha – um filme bem mal falado (Contrato Vitalício) e também um especial de natal produzido com a Netflix em 2018, Se Beber Não Ceie. Para 2019, a parceria foi renovada, e causou muita polêmica, basicamente por ter infligido o politicamente correto com uma figura encarada como divina.
No especial dirigido por Rodrigo Van Der Put, Maria e José (Evelyn Castro e Rafael Portugal) organizam uma festa para comemorar a maioridade do filho de Deus, que chegava aos trinta anos (na tradição judaico cristã, essa é a idade que um homem sai de casa), e para isso, eles convidam a família para comemorar. De diferente da Bíblia, até esse momento, há o fato de Maria aparentemente permanecer virgem até esse momento (ela teve outros filhos, entre eles até alguns dos 12 apóstolos), e também o fato de José ser um pobre coitado, ruim até no serviço de carpintaria, fato esse que contraria Se Beber Não Ceie, onde Jesus afirmava que ele era tão bom que cobrava bem caro.
Outra mudança cabal é a relação com Deus, que é feito por Antonio Tabet que além de usar uma peruca grisalha, ainda usa um coque samurai, em um belo kit de galã feio. A chacota até esse momento não é tão grandiosa, mas obviamente há quem reclame por se mostrar o Deus Pai como alguém vaidoso, o que aliás, não faz muito sentido, pois um dos fatores que faz Jeová, Zeus, Odin e outras entidades serem o que são é exatamente a necessidade de adularem ela.
Jesus é vivido por Gregorio Duvivier, e ele leva Orlando para casa, sem saber da surpresa. Seu parceiro é interpretado por Fábio Porchat (que também assina o roteiro junto a Gustavo Martins), e é nessa relação que mora a maioria das reclamações, basicamente porque se levanta a possibilidade de ou o futuro Cristo ser homossexual, que reprime sua sexualidade por conta do que podem pensar, como pode ser também um bissexual, curioso com sua condição recém descoberta, após 40 dias no deserto. A gritaria revela obviamente o preconceito com a orientação LGBT em geral, como se esse comportamento fosse naturalmente libertino ou digno de vergonha, o que é obviamente um comportamento inaceitável e mesquinho da parte de quem reclama.
A questão é que esta versão talvez seja a menos inspirada das muitas versões do Porta dos Fundos para o natal. As atuações estão muito no automático, Duvivier faz o típico garoto confuso, Portugal está apagado, Porchat abusa de caras e bocas e não apresenta nada novo, assim como Tabet. Não há muito investimento em cenário, o que nem seria um problema, pois o de 2018 também é assim, mas aqui não há muito trabalho em texto. As piadas são forçadas mas não por viés blasfemo, e sim por faltar originalidade, e por repetir momentos pouco inspirados do próprio grupo.
É claro que há momentos engraçados em A Primeira Tentação de Cristo, mas a maioria absoluta de seus aproximadamente quarenta minutos é só de uma obra que tenta soar audaciosa, mas que esbarra em só arranhar a superfície, fazendo até algumas críticas sociais, mas ainda assim apresentando a maioria da forma mais óbvia e banal possível.