Crítica | Paulina
Baseado em uma inversão de paradigma bastante polêmica, Paulina – novo longa de Santiago Mitre (roteirista de Abutres e Elefante Branco) – inicia-se exibindo uma discussão política acalorada pela fala da personagem-título com seu pai, Fernando (Oscar Martínez), sobre o futuro de sua carreira acadêmica. O motivo é que a mulher decide ir para uma cidade interiorana violenta, deixando para trás uma carreira em Direito bastante promissora.
O mundo em que Paulina (Dolorez Fonzi) adentra é completamente diferente do universo com que está acostumada, e o seu discurso progressista é posto à prova a todo momento quando ocorrem tropeços enquanto leciona, graças à falta de convívio com uma população interiorana. A dificuldade em “falar” o linguajar do excluído serve de paralelo à dificuldade que alguns segmentos de esquerda têm ao estabelecer contato com o mesmo proletário que estes defendem.
Apesar de conter uma direção interessante e um roteiro repleto de alegorias, todos os motes giram em torno da conversa inicial de Paulina e Fernando, com um conjunto de situações graves que redundam apenas na questão sobre até aonde o engajamento da mulher deve ir. As aulas de retórica não evitam a deseducação dos residentes do gueto, tampouco a salvaguarda da terrível situação de violência sexual.
Quando um plot twist se aproxima, o argumento simplesmente dribla a possibilidade de se tornar um filme-denúncia para, ao invés disso, fortificar a ideia de um pensamento do evoluído e defensor do oprimido acima das necessidades pessoais. Paulina vive seu discurso, não permite que as contradições a deixem se aproximar de qualquer possibilidade de reacionarismo, evoluindo da simples questão da segurança financeira, elevando a discussão para a violação emocional e corporal.
A sede por vingança não provém da violentada, mas dos homens que a cercam, e nem mesmo em uma posição vulnerável a mulher larga o protagonismo, tampouco permite uma solução que tenha qualquer resquício de machismo ou moralismo.
A discussão que encerra o filme é didática e resume toda a emoção visceral que se viu a partir de todo o processo de aceitação da mulher, mostrando desde a intensa dor do estupro, até a dificuldade em conviver com um trauma impingido pelo mesmo alvo de proteção de toda uma vida ideológica e pragmática. A força em Paulina está nas atuações emocionantes de Fonzi e Martínez, mas também na atualidade de seus temas, tecendo um comentário agressivo para os ditames esquerdistas, expondo uma hipocrisia que normalmente encontra eco na atitude de muitos ditos marxistas.