Crítica | A Vastidão da Noite
Acredito que a manobra mais bonita do cinema seja aquela que um filme faz para se destacar. É fato que para um filme chegar até nossas bolhas, nossas timelines, nossas casas e chegar até esse site por exemplo, é investido dinheiro – e mais um pouco de dinheiro em alguns casos – para ele ser visto. Então, o que fez A Vastidão da Noite, um filme independente, estupidamente barato e sem nenhum grande nome, se destacar?
Desde que foi exibido em Sundance de 2019 o primeiro longa da carreira do diretor Andrew Patterson vem causando burburinhos que felizmente garantiram sua aquisição pelo Prime Video neste ano. Estava feito, certo? Em um ano que o cinema foi profundamente afetado pela pandemia e que os streamings se firmaram de vez como a primeira opção de muitos, a possibilidade do longa ganhar um grande público estava aí. Porém, se tem algo que esse ano nos ensinou também é que às vezes essas plataformas só oferecem um buraco profundo de opções imemoráveis e descartáveis.
Independente, pequeno e tímido, sem dinheiro para estourar bolhas e no meio de tantas opções fresquinhas saindo do forno fast food da indústria, A Vastidão da Noite acabou se destacando pelo caminho mais barato: sendo formidável. A narrativa episódica criada por Patterson e o co-roteirista Craig W. Sander acompanha dois jovens radialistas, Fay (Sierra McCormick) e Everett (Jake Horowitz), que captam uma estranha frequência enquanto quase toda a população da pequena cidade assiste a um jogo no ginásio, fazendo com que desenterrem alguns segredos assustadores.
Episódico e não é à toa. Inspirado diretamente na série de TV The Twilight Zone (Além da Imaginação) (1959 – 1964), o filme traz consigo uma agradável atmosfera de especial de TV e o design de produção resolve muito bem essa alternativa estética, que acaba se fazendo presente também na montagem. Tudo em tela nos imerge rapidamente, longas tomadas e uma trilha musical intrínseca ao melhor dos mistérios passeiam pelo longa nos puxando a mão para uma perspectiva próxima à de voyeur.
Mas mesmo que A Vastidão da Noite consiga abordar certas temáticas e gêneros com uma tensão absurda, entregando cenas que ainda vivem na memória após meses, é como Andrew Patterson nos apresenta e desenvolve suas personagens que fica conosco logo de cara. Há entrelinhas uma paixão palpável, usando as duas personagens principais como instrumentos claros de identificação com o público, sentimos uma espécie de otimismo raro em produções contemporâneas, mas não um otimismo desonesto, longe disso. É como um abraço, daqueles que nos levam às memórias mais nostálgicas e esperançosas.
Na tentativa de digerir o que com certeza seja o ano mais difícil de muita gente em níveis globais, e também a de encontrar filmes minimamente bons em um 2020 atípico, essa carta de amor à ciência, ao rádio e ao fogo mais caloroso da juventude é com certeza um dos pontos mais altos do ano. O longa se destaca por apresentar de volta atmosferas há muito tempo não aproveitadas, provando que apesar dos pesares o limite de orçamento não é um obstáculo absoluto para um pedaço de arte.
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Texto de autoria de Felipe Freitas.