Crítica | Spawn: O Soldado do Inferno
No auge da popularidade do personagem, pelos idos de 1997, quando a Image já se fortaleceu o suficiente para bater de frente com a DC e Marvel, seria exibido nos cinemas do mundo inteiro a adaptação do personagem ícone da editora de Todd McFarlane. A abertura pobre já prenunciava o que seria a toada de todo o conteúdo de Spawn: O Soldado do Inferno, onde seria entregue o passado do personagem, ainda que neste “recordatório” não haja qualquer aprofundamento.
O diretor, Mark A.Z. Dippé, tem o background de ser especialista em efeitos especiais, e seu foco narrativo é nesse quesito, mostrando um sem número de arrombos experimentais com um CGI dos mais vergonhosos – mesmo levando em conta a questão da precariedade de recursos da época. Há muitos fatos curiosos sobre o filme, entre eles um pôster, no lançamento em laser disc, com os dizeres: “The special effects movie event of the year!” – os tempos eram difíceis. O “melhor” deste quesito é o chefe do inferno, Malebolgia, que é o capeta no formato de um cachorro pequinês gigante de moicano grisalho.
O roteiro também é de um primor inigualável, mostrando Al Simmons (Michael Jai White) como um chefe de família sentimental, que contradiz essa máxima sendo um soldado anti-terroristas, que se encarrega de assassinar muçulmanos malvados – nada muito diferente do que era retratado nos quadrinhos, mas nada que justifique uma exploração tão porca. Outro fato curioso é que, nos primeiros arcos do personagem, haviam escritores laureados, como Moore, Gaiman e Miller, mas a escolha do enredo não passou por estas fases, que se não eram o melhor momento destes escritores, certamente garantiriam melhores situações que as apresentadas em tela.
O elenco era bom, e tinha tudo para segurar a impossibilidade da trama, mas nem isso o fez. O primeiro nome destacado é o de John Leguizamo, o terceiro é o de Martin Sheen (que deve sentir mais vergonha neste do que em toda sua filmografia junto aos filhos, em paródias acéfalas), o casting é anunciado em meio a créditos em CGI, novamente uma demonstração tosca de efeitos visuais, imitando um vórtex de fogo. Os personagens são tão bem construídos quanto seu protagonista. Jason Wyyn (Sheen) é um chefe do crime dos mais canastras, a gostosa que o acompanha (a ainda muita jovem Melinda Clarke) é a autêntica mulher genérica que aprecia o perigo e brinca com tarântulas. Mas a cereja do bolo certamente é o vilão, que rouba a cena. O Violador de Leguizamo é a pior/melhor coisa do filme. Suas flatulências são compostas de fogo verde, ele profere piadinhas com sonhos (doce da padaria) cheios de esperma. Pouca coisa se salva, mas por incrível que pareça, a sua transformação nem é tão mal feita se comparada com o resto, o CGI quase se encaixa.
O motivo da morte de Simmons é completamente jogado e a lógica é totalmente inexistente, numa emboscada sem pé e nem cabeça. Um outro momento clássico, é a transformação que Michael Jai White tem no comportamento de sua personagem, mudando do vinho para água assim que se deforma, mostrando que os deformados são necessariamente pessoas bobas e feias. Ele se torna um cara mal caráter de marca maior, que transformação. Interessante é a escolha do ator com nenhum talento dramatúrgico e incapaz de passar qualquer nuance de comportamento para a tela, seus dotes são unicamente ligados aos feitos físicos. Não é compreensível o diminuto volume de cenas com a máscara, até porque o rosto de White não é tão famoso – ainda mais quando o rosto está desfigurado graças às queimaduras.
O guião é pavoroso principalmente por mostrar o capeta não sabendo desenvolver um plano decente para derrotar o exército divino, o filme eleva a máxima “Deus é Mais” a uma condição mais que sagrada e intransponível. As cenas de ação são muito ruins, com direito a show-off de arminhas infernais. O mentor é misterioso e é envolvido por uma luzinha verde que se destaca no escuro, além é claro de ser um servo infernal arrependido que mostra o bom caminho a Spawn. O ato final sinaliza para uma possível continuação, que felizmente não foi para frente. Spawn: o Soldado do Inferno é um legítimo filho do meio, produto condizente com a qualidade da produção da Image à época.