Crítica | Godzilla (1954)
Godzilla, filme de Ishirō Honda se tornaria um grande clássico, e ainda trataria de inaugurar um novo gênero no Japão, o Tokusatsu.
O início do filme é bastante óbvio, mostrando o dia-a-dia de alistados, oficiais e gente do alto escalão da Marinha verificando um estranho fenômeno que ocorre no oceano envolvendo a península do país. A fotografia em preto e branco de Masao Tomai ajuda a naturalizar as cenas filmadas com atores e as outras com maquete, onde miniaturas de navio pegam fogo. É curioso que a história mostre a humanidade como algo pequeno, diante do mal que a assola, mesmo que a origem dessa criatura venha exatamente da ação do homem sobre a natureza.
O roteiro é simples, mas possui uma ironia apurada. O uso da localidade do monstro estar ligado ao mar conversa também com a exploração que o povo japonês faz da pesca. A natureza responde ao homem com violência e revanchismo, como refém de condições climáticas estranhas e devastadoras. Como o filme trabalha o suspense sobre a figura reptiliana, as ações soam misteriosas durante parte da exibição.
O texto ainda aventa a possibilidade de uma lenda camponesa envolvendo uma figura mitológica que se alimenta de seres humanos. Daí vem o nome Gojira, um monstro gigante assustador que consumia tudo o que via pela frente. A primeira aparição do monstro se dá em um cenário diferente, arborizado e em terra firme, com mais de vinte minutos passados. Nas falas do doutor Kyohei Yamane (personagem do clássico ator Takashi Shimura de Os Sete Samurais), é dito que ele deve ter 50 metros de altura, e que sua origem é pré-histórica. Ele cresceu e despertou graças ao lançamento de bombas de hidrogênio.
Godzilla se tornou uma franquia, no Japão, com mais de 20 filmes fora o Godzilla de Roland Emmerich e o reboot americano Godzilla de Gareth Edwards, que também teve suas próprias continuações. Da parte das sequências da Toho, não se tem um apego tão grande a mitologia e a ciência, sobretudo após a fase Showa, composta por 15 filmes e que terminou em O Terror de Mechagodzilla, em 1975. Cada vez mais o personagem foi se tornando um símbolo de ação.
Nessa versão, Godzilla é tratado como ameaça à vida na Terra, essa escolha faz até mais sentido do que o modo como ele é apresentado nos outros filmes, chegando ao cúmulo de ser um protetor do planeta. A mensagem de questionamento de como o mundo está sendo governado pelo homem é bem estabelecida, especialmente no que toca o futuro da humanidade e se o planeta suportará a ação dos homens. A possibilidade de que o planeta viverá mesmo sem o topo da cadeia alimentar, ou seja, o homem, também é tratada como algo real e tangível. Para um filme de ação esse é um argumento bastante maduro.
O subtexto do filme é mais sútil se comparado com King Kong, de 1933. A questão atômica é levantada, mas não é tão desenvolvida, e a grande discussão levantada no filme é ligada aos personagens Ogata e Serizawa que buscam um meio de eliminar o lagarto gigante sem promover uma hecatombe atômica. A solução encontrada parece meramente paliativa, contendo um sacrifício calculado e uma lição moral um tanto torta, mas ainda assim é inegável a importância de Godzilla na cultura pop, se tornando um dos personagens mais copiados e explorados no mundo.