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  • King Kong e suas versões no audiovisual

    King Kong e suas versões no audiovisual

    Kong é possivelmente o símio mais famoso do cinema, conhecido como Rei dos Macacos foi criado por Merian C. Cooper, produtor, diretor, roteirista e editor do clássico King Kong de 1933. Cooper, quando ainda era criança, ganhou o livro Explorações e Aventuras na África Equatorial escrito por Paul Du Chaillu em 1861, e em meio a leitura, teve a ideia fixa de contar uma história protagonizada por um macaco gigante, em uma península isolada no mapa, em um cenário semelhante ao visto na Terra Selvagem que a Marvel instituiria décadas depois.

    Transformar essa ideia em um filme ocorreu enquanto Cooper rodava As Quatro Penas, filme de 1929 que se passava na África. O cineasta pensou em usar um gorila congolês de verdade para filmar, colocando ele para brigar com outros animais como um Dragão-de-Komodo, mas ao final, optou por utilizar cenas em animação stop motion com dinossauros e seres pré-históricos. O personagem virou sinônimo da luta entre o homem e a natureza, abaixo o leitor confere as suas encarnações e alguns extras.

    King Kong (Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933)

    No filme original há o gorila de proporções gigantescas como uma lenda, soberano em um lugar isolado: a Ilha da Caveira. Uma equipe de cinema decide viajar até uma ilha desconhecida, localizada em um antigo mapa, para encontrar uma locação exótica e assim esbarram no colosso mamífero. A história seria replicada por praticamente todas as suas outras versões. A obra revolucionaria o cinema de efeitos especiais e ajudaria a influenciar o cinema do mundo inteiro, como o japonês que criou Gojira/Godzilla mais de 20 anos depois, e até resgataria o personagem.

    A ida de Kong até a América serviria de exemplo do quanto o homem pode ser megalomaníaco. Cooper queria que o animal tivesse entre 12 e 15 metros, mas a decisão final ficou nas mãos dos animadores. Terminou com apenas sete metros.

    O Filho de King Kong (Ernest B. Schoedsack, 1933)

    A RKO Studios decidiu, ainda em 1933, lançar uma continuação com o filho do macaco com herói. A trama gira em torno do retorno do diretor Carl Denham, personagem do primeiro filme, à Ilha da Caveira, onde enfim acha um gorila albino com metade do tamanho do Kong original. O filme é uma fantasia fantástica e contou apenas com um diretor do primeiro (Merian C. Cooper não se juntou ao projeto) e é possivelmente o menos conhecido entre as obras que foram para o cinema.

    O longa se passa um mês depois do primeiro, e Denham chega a ilha procurando um tesouro e acaba retornando ao lugar por acidente. O gorila era conhecido pela produção como Kiko, mas o nome não é pronunciado durante o filme. A maior curiosidade em relação ao filme é que na época não se sabia que existiam gorilas albinos. A descoberta ocorreu somente em 1963 na Guiné Equatorial.

    King Kong vs. Godzilla (Ishirô Honda e Tom Montgomery, 1962)

    A produção dirigida pelo mesmo Ishirô Honda que conduziu o primeiro Godzilla oito anos antes, reconta a historia do clássico filme de 1933, retornando a Ilha da Caveira basicamente para ambientar o espectador oriental nessa mitologia. O confronto entre Kong e Gojira tem motivos esdrúxulos, segue a cronologia dos filmes do Lagarto Gigante, inclusive retomando os eventos de Godzilla Contra-Ataca, de 1955.

    Aqui o gorila é aumentado em cinco vezes se comparado ao clássico. Tem 45 metros e é vivido por um ator com uma roupa imitando um macaco, como era comum dentro das produções da Toho.

    The King Kong Show (1966)

    Houve uma época, nos anos oitenta, que qualquer sucesso do cinema virava desenho animado. O caso de The King Kong Show não é diferente. Embora tenha sido lançado muito tempo antes, em 1966, já acenava uma futura tendência. O desenho é uma coprodução entre a Videocraft e a Toei, e foi exibida pelo canal ABC entre 1966 e 1969. Na série, Kong faz amizade com uma família, os Bond, e segue em aventuras salvando o mundo de monstros, robôs, cientistas loucos e outras ameaças.

    Esta foi a primeira série de anime produzida no Japão para uma empresa americana. Teve 26 episódios e 3 temporadas, e o tamanho do macaco era de aproximadamente 15 metros de altura.

    A Fuga de King Kong (Ishirô Honda, 1967)

    Se King Kong vs. Godzilla é considerado trash, essa outra produção da Toho pode facilmente ser chamada de esdrúxula. O filme trata Kong como uma lenda, mas isso não impede que um cientista louco, chamado de Dr. Who (?!) resolva fazer uma cópia robótica do macaco. O doutor louco ainda assim precisa do original para resgatar um elemento X, que vem a ser uma substância qualquer, que daria poder ao seu portador, embora a razão da obsessão do vilão não seja nem um pouco clara.

    O final é grotesco ao extremo, o macaco entende falas humanas quando é conveniente para o roteiro. Há muitas falhas de efeitos especiais e erros de continuísmo. O macaco tem por volta de 20 metros de altura, não tem ligação com o crossover de 62 e seria uma espécie de versão live action de The King Kong Show.

    King Kong (John Guillermin, 1976)

    O primeiro remake do clássico de 1933, embora nos filmes da Toho se reconte parte da história, não são exatamente refilmagens. Essa versão ficou famosa por conta de sua dupla de protagonistas humanos formada por Jeff Bridges e Jessica Lange.

    Esse filme também é lembrado pela troca do prédio onde Kong se pendura, sai o Empire State e entram as torres gêmeas do World Trade Center. O gorila varia de tamanho durante o filme, tendo 17 metros aproximadamente quando está na cidade e 13 metros na sua ilha natal. Esse foi um dos clássicos da Sessão da Tarde e Cinema em Casa do Brasil. De fato, é uma boa produção.

    King Kong 2 (John Guillermin, 1986)

    O diretor John Guillermin volta para essa continuação tardia, uma autêntica peça trash de sua década. Kong sobreviveu a queda do World Trade Center, mas foi mantido em coma por uma década. Ele sofre com problemas cardíacos e a especialista Amy Franklin é chamada para trata-lo. A doutora, interpretada por Linda Hamilton que acabava de sair de O Exterminador do Futuro, parece estar no piloto automático ao se apresentar como cardiologista especialistas em símios gigantes (por si só uma profissão bem curiosa e específica). Se isso não fosse suficiente, os exploradores vão a Bornéu atrás de uma fêmea gigante como uma possível doadora de sangue. Kong se apaixona e eles geram um filho.

    Esse filme cansou de ser reprisado nas tardes do SBT, mas é ignorado por boa parte do público, não à toa, pois é equivocado em quase tudo que se propõe.

    O Poderoso Kong (Art Scott, 1998)

    Essa animação foi uma adaptação da Warner Bros. feita para o mercado de vídeo dos anos noventa, e mostra uma equipe de cinema indo para o mar e encontrando o macaco gigante tal qual as encarnações anteriores, com a diferença de que há números musicais aqui.

    As canções não são ruins, o problema maior é que o filme da Lana Productions não tem um orçamento condizente com produções clássicas. Sendo assim, lembra as sequências de filmes da Disney como O Retorno de Jafar, Rei Leão 2: O Reino de Simba e outras obras semelhantes lançadas diretamente para o mercado caseiro. O elenco de dublagem é liderado por Jodi Benson e Dudley Moore e o design dos personagens imitava alguns produtos de sucesso da época, como o longa A Pequena Sereia e A Bela e a Fera, claro, sem o mesmo brilhantismo dos filmes da Disney. O mais estranho dessa produção é que na capa das fitas VHS e nos DVDs mostravam um macaco castanho e mais simpático, muito diferente da versão apresentada na própria animação.

    Kong: The Animated Series (2000)

    Esse foi um seriado de coprodução entre Estados Unidos e Canadá. Tinha algumas semelhanças com a animação do Godzilla (que continuava os eventos de Godzilla de Roland Emmerich) mas não tem o mesmo nível de qualidade. Em 2005, houve uma animação em longa-metragem com o mesmo traço e equipe de dubladores, Kong: Rei de Atlantis, e em 2007 um novo filme foi lançado, Kong: Return to the Jungle.

    Narrativamente, a maior diferença dessa para outras encarnações é que o macaco é um clone modificado geneticamente do original abatido no filme de 1933. Kong é badass e ajuda a humanidade nesse seriado, em especial, Jason Jenkins e sua família, apesar de não ter muitas explicações a respeito disso.

    King Kong (Peter Jackson, 2005)

    Depois do sucesso de O Senhor dos Anéis, Jackson se dedicou a refilmar o clássico de 1933. Essa é uma super produção, duramente criticada por pecar em excesso. De fato, ela é vultuosa e gordurosa, nos cinemas foi lançada com 3 horas e 7 minutos, mas uma versão estendida com 14 minutos adicionais foi lançada para o mercado caseiro.

    Aqui há largo uso de efeitos especiais e computação gráfica. O macaco foi interpretado por Andy Serkis que coreografou passos, corridas e lutas do Gorila usando 135 marcadores em seu rosto. O macaco tem cerca de 25 metros, enfrenta dinossauros e vai até Nova York, como nas versões clássicas.

    Kong: Rei dos Macacos (2016)

    Essa é a mais recente animação sobre o símio, seu tom é infantil e ligado a ecologia. Nessa realidade os animais silvestres estão quase extintos, graças as condições climáticas agravadas pelo homem em 2050. O seriado é bastante expositivo e a qualidade de animação é artificial, sobretudo nas figuras humanas.

    O seriado começa com um gorila filhote aparecendo para uma família de cientistas. Eles vão para a cidade e o animal cresce muito rápido, de forma quase instantânea. O programa é produzido por Avi Arad, o mesmo que produziu os desenhos do Homem-Aranha e os filmes do Homem-Aranha de Sam Raimi. Teve uma temporada de 13 episódios em 2016, e uma segunda em 2018, com 10.

    Kong: A Ilha da Caveira (Jordan Vogt-Robert, 2017)

    Essa foi a última empreitada solo do macaco gigantesco nos cinemas. Kong é uma figura mitológica, mas ainda em processo de crescimento. É o soberano da península que, por sua vez, também possui um número grande de animais gigantes.

    Kong aqui não é tratado só como rei mas também como deus pelos habitantes da Ilha da Caveira. Seu tamanho é o maior entre suas encarnações até aqui, com 100 metros de altura, mais que o dobro da versão japonesa de 1962. O filme apesar de ter um roteiro repleto de clichês possui um visual arrojado, inspirado em clássicos anti-bélicos como Johnny Vai à Guerra e Apocalipse Now.

    Godzilla vs Kong (Adam Wingard, 2021)

    Kong retorna para um novo crossover contra Godzilla. O filme, programado para 2020, foi adiado por conta da pandemia de coronavírus e chega aos cinemas do mundo e plataforma de streaming. Entre Kong: Ilha da Caveira e esse, o gorila lendário aumentou consideravelmente de tamanho, até porque no filme de época, ele ainda era um adolescente. Dirigido por Wingard (Bruxa de Blair: A Lenda Nunca Foi tão RealDeath Note).

    Bônus: Aqui estão listados alguns entre tantos filmes que não são parte da “saga” de King Kong, mas que tem alguma ligação com o personagem criado em 1933.

    Wasei Kingu Kongu (1933)


    Esse é um projeto misterioso por si só. Entre o público japonês dos anos 1930, se diz que houve uma versão de King Kong que se perdeu desde o final da década de 1940. Esse desaparecimento é atribuído a campanha de bombardeios que ocorreu no país durante a Segunda Guerra Mundial.

    Esse King Kong seria o primeiro filme daikaiju, ou seja, o primeiro filme japonês envolvendo monstros gigantes, 21 anos antes de Godzilla/Gojira. Existem documentos históricos que em 1938 outro filme envolvendo macaco gigante foi produzido e perdido durante a Segunda Grande Guerra, Edo ni Arawareta Kingu Kongu (King Kong Aparece em Edo). Todas as cópias conhecidas de ambos os filmes estavam estocadas em armazéns localizados nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. O ataque norte americano causou a morte de 90 mil a 166 mil pessoas em Hiroshima e 60 mil a 80 mil em Nagasaki, além de destruir grande parte do patrimônio histórico e cultural japonês.

    Monstro de um Mundo Perdido (Ernest B. Schoedsack,1949)

    Schoedsack, um dos diretores do King Kong original, fez essa comédia que conta com produção de Cooper e John Ford. Na trama, um explorador descobre que um enorme gorila serve de bichinho de estimação pra Jill Young, daí o sujeito, vivido por Robert Armstrong, tenta leva-lo para Hollywood, e o macaco se torna atração em um nightclub.

    A apelação para o humor é bastante fraca, e mesmo que a ideia original era referenciar o clássico de 1933, o projeto foi por outro caminho, ganhando vida própria.

    Konga (John Lemont, 1961)

    Konga mostra a história de um cientista que é dado como morto e se esconde no continente africano para não chamar a atenção de seus inimigos. Em meio as suas pesquisas, ele percebe uma forma de cultivo de plantas que tornam animais gigantes. A tal Konga é um chimpanzé usado pelo cientista para combater seus opositores.

    O filme é estrelado por Michael Gough, o Alfred da saga iniciada em Batman de Tim Burton, e até tem seu charme, com cenários e objetos de cena que lembram A Pequena Loja de Horrores, mas a história como um todo é esdrúxula ao extremo, a produção confunde as raças de macacos, o chimpanzé vira um gorila. No final, Konga se torna uma história sobre ciúmes, com um roteiro fraco e efeitos especiais bem datados.

    Outra curiosidade sobre Konga é que houve uma versão de baixíssimo orçamento lançada em 2020 chamada Konga TNT, que tem uma história semelhante a esta. Os efeitos especiais são amadores, as cenas em fundo verde são fracas, o filme parece editado no Windows e é supostamente baseado em um gibi da Charlton Comics.

    Queen Kong (Frank Agrama, 1976)

    Se Konga já parecia uma cópia tosca, o que dizer desta produção que mostra uma equipe de cinema à caminho da África filmar um longa-metragem para mulheres e encontram uma gorila fêmea gigante, que acaba por se apaixonar por um ladrão trambiqueiro, que sabe-se lá por quê, acaba se tornando o ator principal do filme?

    A roupa e maquiagem de Queen Kong é horrorosa, a máscara dela é fajuta e os dinossauros que enfrentam a macaca são mal feitos em um nível que é difícil até de classificar. Queen Kong tem uma face estranha, em alguns momentos parece um lêmure, em outras, um sagui. As atuações são risíveis e as tentativas de fazer humor esbarra na falta de qualidade de toda a equipe. Nem o humor involuntário vale o esforço.

    Poderoso Joe (Ron Underwood, 1998)

    Este é um remake do antigo Monstro de Um Mundo Perdido. Protagonizado por Charlize Theron, o filme conta a história de Jill Young, que quando criança viu sua mãe ser morta ao tentar proteger gorilas selvagens. Já adulta, ela passa a cuidar de Joe, um animal que por conta de uma anomalia genética, tem mais de cinco metros de altura.

    O filme é bem bobo, tem a estética que era bem comum aos filmes live action dos estúdios Disney, com um romance meloso entre Theron e Bill Baxton, forte apelo infantil e foi um bocado popular em sua época.

    Rampage: Destruição Total (Brad Peyton, 2018)

    Rampage  é uma adaptação do jogo homônimo. Aqui Dwayne Johnson vive um primatologista que convive bem com George, um gorila albino cuja espécie está em extinção, criado por ele desde seu nascimento. George e outros animais sofrem alterações que os fazem crescer e se tornarem ameaças para a vida urbana.

    Esse é um filme de ação divertido e descompromissado com subtextos mais densos. As semelhanças dele com King Kong são obviamente ligadas ao fato do macaco crescer desenfreadamente e com a destruição que ele é capaz de fazer em uma metrópole, além de mostrar o homem como fator caótico na equação da natureza.

  • Crítica | King Kong vs. Godzilla (1962)

    Crítica | King Kong vs. Godzilla (1962)

    A fórmula dos filmes da franquia Godzilla é bem simples: o animal dantesco é mostrado atacando algum lugar civilizado ou lutando contra outra figura monstruosa capaz de destruir a humanidade. Foi assim em Godzilla de 1954, e em sua continuação Godzilla Contra-Ataca, já no terceiro filme (a primeira produção colorida) dos estúdios Toho, King Kong vs. Godzilla, a fórmula permanece, mas o adversário da vez é Kong, que não aparecia nos cinemas desde a produção original nos anos 30g.

    A trama humana é completamente despropositada, entediante em essência, e o que realmente importa é o choque entre titãs e isso é inclusive falado dentro do filme de Ishirō Honda. O artifício para trazer Godzilla de volta à vida é ridículo, tão mal executado quanto os pretextos para que Jason Vorhees voltasse nas sequências de Sexta-Feira 13. Além disso, o acréscimo de Kong também é repleto de problemas.

    Honda faz a história rumar para a Ilha da Caveira e coloca o elenco japonês praticando black face para imitar os nativos. Ao menos, as cenas com os monstros são criativas, há um bom uso de maquetes, miniaturas e até animais. No entanto, a maioria dos momentos parece feita para causar humor, causando risos involuntários até mesmo no lançamento do filme em 1962.

    O grande problema do roteiro são as conveniências e incongruências. No caso de Godzilla Contra-Ataca, o enfrentamento contra Anguirus se dá de modo natural, pois a mesma bomba de hidrogênio despertou os dois monstros. A desculpa para ir atrás de Kong mira publicidade, já que uma empresa farmacêutica resolve ir atrás dele para fazer propaganda de seus produtos (?!), competindo assim com o retorno do lagarto gigante. Confrontos entre heróis normalmente tem justificativas tolas, mas esta aqui abre mão demais da suspensão de descrença do espectador.

    Os bonecos são terríveis e a briga entre os monstros não funciona visualmente, muito menos do ponto de vista narrativo. O roteiro não tem qualquer desenvolvimento de temas ou reflexão, como não entrega uma narrativa minimamente crível desse encontro de titãs. A luta final parece uma brincadeira de criança, onde quem comandou os brinquedos está cansado e quer resolver logo o conflito. King Kong vs. Godzilla é tão mal pensado que se torna um clássico do trash, embora obviamente fosse pensado para ser uma obra mais séria.

  • Crítica | Godzilla (1954)

    Crítica | Godzilla (1954)

    Godzilla, filme de Ishirō Honda se tornaria um grande clássico, e ainda trataria de inaugurar um novo gênero no Japão, o Tokusatsu.

    O início do filme é bastante óbvio, mostrando o dia-a-dia de alistados, oficiais e gente do alto escalão da Marinha verificando um estranho fenômeno que ocorre no oceano envolvendo a península do país. A fotografia em preto e branco de Masao Tomai ajuda a naturalizar as cenas filmadas com atores e as outras com maquete, onde miniaturas de navio pegam fogo. É curioso que a história mostre a humanidade como algo pequeno, diante do mal que a assola, mesmo que a origem dessa criatura venha exatamente da ação do homem sobre a natureza.

    O roteiro é simples, mas possui uma ironia apurada. O uso da localidade do monstro estar ligado ao mar conversa também com a exploração que o povo japonês faz da pesca. A natureza responde ao homem com violência e revanchismo, como refém de condições climáticas estranhas e devastadoras. Como o filme trabalha o suspense sobre a figura reptiliana, as ações soam misteriosas durante parte da exibição.

    O texto ainda aventa a possibilidade de uma lenda camponesa envolvendo uma figura mitológica que se alimenta de seres humanos. Daí vem o nome Gojira, um monstro gigante assustador que consumia tudo o que via pela frente. A primeira aparição do monstro se dá em um cenário diferente, arborizado e em terra firme, com mais de vinte minutos passados. Nas falas do doutor Kyohei Yamane (personagem do clássico ator Takashi Shimura de Os Sete Samurais), é dito que ele deve ter 50 metros de altura, e que sua origem é pré-histórica. Ele cresceu e despertou graças ao lançamento de bombas de hidrogênio.

    Godzilla se tornou uma franquia, no Japão, com mais de 20 filmes fora o Godzilla de Roland Emmerich e o reboot americano Godzilla de Gareth Edwards, que também teve suas próprias continuações. Da parte das sequências da Toho, não se tem um apego tão grande a mitologia e a ciência, sobretudo após a fase Showa, composta por 15 filmes e que terminou em O Terror de Mechagodzilla, em 1975. Cada vez mais o personagem foi se tornando um símbolo de ação.

    Nessa versão, Godzilla é tratado como ameaça à vida na Terra, essa escolha faz até mais sentido do que o modo como ele é apresentado nos outros filmes, chegando ao cúmulo de ser um protetor do planeta. A mensagem de questionamento de como o mundo está sendo governado pelo homem é bem estabelecida, especialmente no que toca o futuro da humanidade e se o planeta suportará a ação dos homens. A possibilidade de que o planeta viverá mesmo sem o topo da cadeia alimentar, ou seja, o homem, também é tratada como algo real e tangível. Para um filme de ação esse é um argumento bastante maduro.

    O subtexto do filme é mais sútil se comparado com King Kong, de 1933. A questão atômica é levantada, mas não é tão desenvolvida, e a grande discussão levantada no filme é ligada aos personagens Ogata e Serizawa que buscam um meio de eliminar o lagarto gigante sem promover uma hecatombe atômica. A solução encontrada parece meramente paliativa, contendo um sacrifício calculado e uma lição moral um tanto torta, mas ainda assim é inegável a importância de Godzilla na cultura pop, se tornando um dos personagens mais copiados e explorados no mundo.