Crítica | 7 Caixas
Com roteiro de Tana Schembori, direção de Tito Chamorro e Juan Carlos Maneglia, o filme conta a história de Vítor (Celso Franco), um adolescente com 16 ou 17 anos, carreteiro no centro de Assunção (Paraguay), no Mercado 4 – um meio-termo, ou melhor, uma mistura entre Mercado Municipal e rua 25 de Março (via de comércio popular em São Paulo) – onde a concorrência é grande e os carreteiros disputam os clientes quase a tapa. Ele recebe uma proposta incomum: carregar sete caixas de conteúdo desconhecido, em troca de uma nota de 100 dólares, isto é, de meia nota, já que só receberá a outra metade quando completar o serviço. Óbvio que a tarefa acaba se tornando cada vez mais difícil de cumprir à medida que a trama avança.
Um detalhe que deixa a trama interessante é a “rede” de personagens. Inicialmente, conhecemos Vítor, sua irmã Tamara (Nelly Davalos) e sua amiga Liz (Lali Gonzalez). À medida que a narrativa se desenvolve, novos personagens são agregados – Don Dario (Paletita) e os funcionários do açougue; as colegas de trabalho e os chefes de Tamara; o carreteiro que seria inicialmente contratado, seus colegas, sua irmã e o policial que a paquera. E todos estão interligados de alguma forma, sem que isso pareça forçado ou artificial – um uso bastante criativo do conceito de “Seis graus de separação”.
E do mesmo modo como é intrincada a rede que envolve os personagens, assim é o cenário. Praticamente toda a história se passa nos meandros do mercado, com seus corredores labirínticos e aparentemente indistinguíveis, ao menos aos nossos olhos “estrangeiros”. E, pela estreiteza das passagens, as perseguições não são feitas em carros possantes – que serão destruídos em algum momento do trajeto – mas sim a pé, empurrando os carretos. E se aproveitando disso, o recurso “câmera na mão” – no caso, câmera no carrinho ou câmera no peito – é usado com bastante frequência, mas não chega a ser excessivo. Agrega tensão ao mesmo tempo em que garante alguns enquadramentos bem interessantes.
Vale reparar que boa parte dos problemas – inclusive o problema inicial, temporariamente resolvido com a entrega das caixas à Vítor – é causada por mal-entendidos, por conversas mal interpretadas ou ouvidas parcialmente. E essas conversas truncadas têm seu entendimento ainda mais dificultado pela mistura de idiomas. Boa parte dos personagens, principalmente do núcleo do mercado, conversam misturando espanhol e guarani. Foi bem estranho no início do filme, pois eu lia a legenda tendo uma certa ideia de como a frase soaria em espanhol, mas a fala dos atores era algo totalmente diferente, até que me lembrei do guarani. Para aumentar ainda mais o imbróglio linguístico, os proprietários do restaurante em que Tamara trabalha são coreanos, o que gera boas sacadas de humor.
Esta versão paraguaia de filme de perseguição hollywoodiano não tem nada de paraguaia, não no tom pejorativo que comumente o termo assume aqui no Brasil. O filme é sim carregado de clichês, mas roteirista e diretor souberam usá-los a favor, tanto para fazer o espectador rir como para satirizar o próprio clichê e a indústria cinematográfica que lhe deu origem. E é por isso que, apesar de identificarmos um sem número de elementos narrativos bastante conhecidos, o filme consegue entreter e envolver o expectador – e por vezes até surpreendê-lo.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.