The OA | O Sonho impossível de Brit Marling
Durante um verão, quando Brit Marling era apenas uma criança em Winsconsin, ela contava histórias de fantasmas tarde da noite para as garotas no seu quarto. De inicio todo mundo amou, mas depois de algumas noites algo tinha mudado. “Eu acho que algo ficou sobrevoando a imaginação de todo mundo”, disse Marling. “Ligamos para os pais de cada uma que vieram pega-las. As histórias de fantasmas mexeram de verdade com todo mundo.”
Recentemente uma variação desse problema marcou a carreira de Marling. Como roteirista e atriz, ela criou pequenos porem muito bem recebidos filmes independentes. como o A Outra Terra, de 2011 e o Sistema de 2013. E de repente, quase que sem alarde nenhum e um pouco antes do natal, The OA, a série de oito partes estrelando Marling, que também co-roteirizou e dirigiu com o seu parceiro criativo Zal Batmanglij. A conturbada história da sobrevivente traumatizada de uma experiências de quase morte e uma misteriosa abdução rapidamente se tornaram o mistério mais comentado da internet. Marling compara a série á um livro, considerando uma nova forma de fazer TV. “The OA não teria existido três anos atrás”, diz a atriz.
Isso não é porque serviços de streaming como a Netflix ajudam criadores a se desvincilhar das limitações formais de TV e cinema. A atual audiência “madura” da TV, aquela que assiste Breaking Bad, Game of Thrones e Westworld está sedente por um material que não simplesmente rompa as barreiras mas que remodele elas. “Eu pensei The OA mas como algo fora da caixa. “Ficou um pouco afastado do que eu tinha imaginado”, disse Marling. “Mas parece que a audiência estava super pronta pro que veio. Eles querem ser surpreendidos, querem sentir novas emoções que eles não sabem o nome para etiqueta-las”.
Em The OA, um grupo de desajeitados se reúnem toda noite, incluindo o Bully e um garoto trans. Essa reunião é marcada pelo amor a Prairie, que é o condutor dessa ligação. Para criar um sentido em seus personagens adolescentes, Marling e Batmanglij passaram parte da produção da série em colégios do ensino médio do meio oeste, as vezes até se oferecendo em dar aulas de filmagem e fotografia em troca de entrevistas onde eles gravaram os gestos e maneirismos de cada um dos adolescentes para estudo de personagem. A geração dos Selfies estavam extremamente confortáveis de frente a uma câmera, mas também confessaram uma acerta alienação que Marling leu sobre o lado negro de uma vida saturada de tecnologia. “Como você aborda uma geração que tem acesso á um catalogo de pornografia ao acesso do seu dedo? Ou coisas que você não pode deixar de ter assistido!?. Eu senti que isso é um tipo de terreno arenoso, algo com raiva mas também cheio de inteligência e fome por algo a mais e imaginando onde eles podem conseguir”.
A empatia de Marling por adolescentes cresceu naturalmente. Ela cresceu em Chicago e Orlando e lembra de si própria como esquisita, baixinha e magrela. Sua mente era um moinho de ideias e energia que a mantinha sempre acordada. Mesmo assim, ela foi capaz de chamar as crianças da vizinhança para ensaiar as peças que ela escrevia, incluindo um mash up de Billie Jean e Sonhos de Uma Noite de Verão. Os pais pagariam qualquer coisa para ver suas crianças atuarem, então Marling cobrou 5 dólares de cada um e conseguiu uma boa quantidade de dinheiro.
Seus pais trabalhavam com construção, e Marling costumava brincar em casas não terminadas, não igual a casa em The OA, interpretando personagens e suas vidas. Nessa diferente vivência, as expectativas para os jovens eram muito mais limitadas do que a imaginação de Marling poderia conceber: advogados, médicos, banqueiros. Marling foi a Georgetown estudar economia e se apaixonou por matemática, ficando na biblioteca até as duas da manhã, com seus amigos nerds resolvendo cálculos.
Em e-mail Batmanglij (diretor de OA) relembra dela como uma jovem muito calma. “Me levou tempo pra perceber que Brit é o tipo de pessoas que ama aprender. O tempo, o trabalho e a paciência que levam para aprender algo não assustam ela”.
Em Georgetown, Marling cresceu desiludida com a forma como as aulas reforça o status-quo de visão do mundo. “Você aprende muito de educação num país que pode ser doutrinadora num sistema que já é falho e falha conosco”. Um interno da Goldman Sachs mostrou pra ela uma vida que ela não queria. “É como se você tirasse a venda do seu cavalo de corrida e ele de repente percebe que a corrida é dar volta em círculos. Você encara aquele aberto sem sentido e se pegunta, como eu vou sair daqui!?”.
Levou um tempo mas ela se mudou para L.A para atuar e encontrou ela novamente no mesmo problema; num quarto com mulheres que pareciam com ela encarando uma mesa com pessoas que iriam decidir seus futuros. Isso é o que atrizes jovens fazem, claro: atravessar um pântano de inciantes na esperança de que algo significativo surja da lama. Marling tinha o rosto pra interpretar a namorada do protagonista do filme de ação (e meio que ela interpretou no filme de Richard Gere, A Negociação) mas seus princípios não estavam ali pra isso. “Eu senti que nunca ia conseguir passar desse pântano, e se eu conseguisse, eu ia virar alguém que eu não sabia que eu era”.
Então para conseguir a carreira que ela queria, ela começou a escrever e viajar. ela e Batmanglij deixaram L.A literalmente viajando EUA com pessoas que aceitavam dar carona, caminhoneiros e pessoas que viviam a margem da sociedade. Essa experiência resultou no filme O Sistema, mas também mostrou a atriz qual seria seu modelo de arte. “Algo que eu realmente aprendi dessas pessoas que passam sua vida na estrada é que eles simplesmente fazem. Eles não esperam permissão. Tem um prédio abandonado pertinho de você, vai lá fazer um jardim no telhado. Se você começar a criar e continuar praticando, eventualmente você vai alcançar um lugar que você vai estar contando uma história que transcende a simples prática”.
The OA soa exatamente como essa sensação, de uma narrativa eventualmente com temas de liberdade passaram a espelhar a própria carreira de Marling. Ela é um novo tipo de autor nos moldes de Sarah Polley ou dos irmãos Duplass, aristas que não conseguiram seu espaço no mainstream e migraram daquilo pra construir seu próprio modelo. O surpreendente é que esse momento surge um novo tipo de TV, parece que o mainstream cresceu a ponto de encontrar com ela novamente, mesmo considerando que o que ela construiu é muito afastado do que o próprio é. Quando Prairie é abduzida, ela e seus amigos planejam escapar não esmagando suas jaulas de vidro mas transcendendo seus corpos através de cinco movimentos que podem curar os doentes e guia-los para outros planos de existência. Um estudioso não cientifico na internet parece que tinha identificado os movimentos pelo episódio 5. É o tipo de situação que o espectador fica tão ansioso para ver algo que nunca viu antes que passa a imaginar o que está por vir.
É claro, se trata apenas de uma experimentação com dança moderna. E Marling considera os movimentos desconfortáveis para o espectador “Nós odiamos o corpo nesse país. Sentimos vergonha de nossos corpos. E isso é estranho, Você está se movimentando, se expressando. Claro que nas primeiras vezes todo mundo riu. O riso vem de estar desconfortável, e o desconforto vem do medo, e o medo da vaidade. O momento que você começa a se mover, aquela vergonha realmente caí por terra. Isso acontece com todos nós. Quanto mais fazíamos os movimentos e os praticávamos, mais eles se tornavam outro tipo de linguagem”.
É difícil de imaginar The OA sendo produzida com pouca dinheiro, mas Marling e Batmanglij foram bem sucedidos em persuadir a produtora de Brad Pitt, a Plan B a bancar o projeto com antecedência, e logo depois indo atrás de uma emissora para comprar o primeiro episódio. Enquanto tentavam vende-lo eles ficavam em pé numa sala, atuando durante oito horas seguidas, mudando de locação e planejando as viradas de roteiro. “Eu acho que as pessoas sentem tipo: Eu não sei exatamente o que é, mas parece que eles levaram muito tempo nisso”, disse Marling rindo.
Houveram outras propostas, mas a Netflix foi a mais abrangente quanto as suas inovações. Marling disse que teve que maneirar na durações inconsistentes entre os episódios e não se zangar de ter que quebrar parte do seu roteiro por questão de regras e não passar quatro horas introduzindo um personagem novo.
Marling e Batmanglij já planejaram o que ocorrerá na segunda temporada , mas ainda não foi renovada oficialmente. Ou quem sabe já tinha sido renovada, toda a produção da primeira temporada foi mantida em segredo. Não houveram anúncios de quem havia sido contratado para o elenco, nem fotos de filmagem, tudo foi feito fora de Nova York e o roteiro era codificado em linguagem baseada no braile. Foi decisão da própria Netflix não divulgar noticia nenhuma sobre a série, simplesmente a jogando antes da temporada de natal sem publicidade nenhuma. Marling disse que estava ok com essa estratégia, que parece ter vingado.
Agora que essa estranha série habita nosso mundo, e a atriz está feliz com a exclusividade digital. The OA, dentro e fora das telas parece ter conectado as pessoas que era algo que Marling sempre desejou que seu trabalho fizesse. “Eu acho que o que você quer por pra fora seja o que for, você tem que estudar o que puder e depois desligar todas as luzes, e voltar pra caverna de onde você veio e tentar contar histórias de maneira cada vez melhor”.
– Esse artigo está presente na edição de 23 de janeiro de 2017 da New York Magazine.
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Texto de autoria de Halan Everson.