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  • Resenha | A Mediocrização dos Afetos

    Resenha | A Mediocrização dos Afetos

    O amor tá ultrapassado, e o coração aqui tirou um tempo para conversar sobre isso.  Em meia dúzia de palavras, a quadrinista Chiquinha (Fabiane Langona) expõe os absurdos emocionais muito oriundos ao nossos tempos, já descritos pelo sociólogo Zygmunt Bauman como tempos líquidos, e aqui destrinchados da forma mais sarcástica e enlouquecida possível. Disso, nossa realidade passa pela peneira do absurdo, e assim o coração e sua alma romântica desabafa sobre o seu lugar no século dos aplicativos de pegação, e da liquidez de todos os sentimentos que guardamos para o próximo.

    Nessa Mediocrização dos Afetos, oitava edição da coleção Ugrito, observamos um mundo caótico onde o Amor virou amorzinho, e hoje respira em alguma UTI sem receber muitas visitas. O gosto imprevisível da prosa e das reflexões de Chiquinha remete a uma prazerosa crônica ilustrada, tão rápida quanto uma viagem de metrô da Paulista ao vale do Anhangabaú (fora do horário de pico), e que reflete com força e objetividade as ânsias de quem ainda dá valor ao sentimento mais forte do universo, e que por vezes chega a ser contestado em tempos de guerra, ou de puro cinismo e superficialidade crescente que hoje em dia banham muitas das relações humanas.

    A sagacidade de alguns quadrinhos impressiona os mais desavisados, uma vez que o humor não poupa as mais diversas situações de serem representadas, aqui. Para Chiquinha, fica difícil não expor as inseguranças emocionais de alguém em uma época em que o que há de melhor no amor, é absolutamente banalizado de um jeito explícito, e muitas vezes até vanglorioso. Por que apostar em apenas uma pessoa, que aparentemente confia em nós, se há um cardápio de faces me esperando para a próxima caça? Uma caça infinita e que, a longo prazo, pode esfriar o coração do mais apaixonado e encantador Romeu. Um apelo, então? Não deixemos isso acontecer.

    Compre: A Mediocrização dos Afetos.

  • Resenha | Culpa

    Resenha | Culpa

    Quando cortam nossas asas, quem nos dá o direito de cortar as asas do próximo? Redirecionar nossas frustrações é algo que aprendemos desde muito cedo, e Culpa, décima primeira edição da coleção Ugrito, trata de simbolizar isso entre dois irmãos, e um pai que não sabe reconhecer o talento do filho mais velho. A culpa aqui parece ser transmitida de pai para filho, quase como um fardo. Um sentimento de reprovação muito forte que pode gerar efeitos eternos, e claro, revela seu caráter tóxico quando se é espalhado em uma família no mais banal dos dias.

    Nos traços bastante expressivos e na sensibilidade latente da quadrinista Cristina Eiko (Quadrinhos A2, Penadinho – Vida), observamos que não há nada mais gostoso que observar crianças escolhendo o que serão quando crescer. Entre robôs e dinossauros, possíveis astronautas e artistas, a inspiração não tem fim até ser esmagada pela mão fria do adulto que destrói a vontade do menino ser um paleontólogo, já que “você está muito velho para sonhar”! O que nos deixa tão cruel ao longo dos anos para não permitir o voo dos outros, talvez, a alturas mais altas do que jamais poderíamos alcançar?

    Cada um tem sua resposta, sua trajetória e seus traumas, mas Culpa é de fato sobre os impactos psicológicos que o desencorajamento paternal causa, em qualquer um. Altamente reflexiva, a obra com pouco mais de 15 páginas revela um dos piores lados da infância: o despertar para o primeiro desafio que pode botar tudo a perder para uma criança, e apagar a chama que existe em corações tão puros, e ainda despreparados para lidar com as falhas dos nossos pais. Eles não são perfeitos, mas nossos sonhos talvez sejam. Se vale a pena lutar por eles, encorajar os dos outros é tão valioso quanto.

    Compre: Culpa.