Tag: Vincent Van gogh

  • Crítica | Com Amor, Van Gogh

    Crítica | Com Amor, Van Gogh

    Numa época onde a originalidade se esvai, e todo sucesso de bilheteria se apoia na nostalgia que carrega, a animação é o gênero cinematográfico ainda menos explorado sobre suas potencialidades, e suas peculiaridades vigentes. Há ótimos porém poucos marcos e triunfos convincentes em sua história, como Branca de Neve e os Sete Anões, o primeiro Toy Story, O Túmulo dos Vagalumes (esse último sendo talvez o mais belo e trágico desenho animado de todos) e O Velho e o Mar, adaptação de Hemingway construída por 29 mil frames pintados em vidro com aquarela – quem não viu, faça-se o favor então.

    Nisso, após bem mais de uma década com belas animações, usando e abusando das possibilidades infinitas da evolução da computação gráfica, mas sem nada de realmente novo na abordagem com o gênero que se incluem, podemos falar aqui da última experimentação realmente original e bem sucedida no terreno muito fértil e um tanto quanto inóspito das animações mundiais: Com Amor, Van Gogh, que, se tivesse sido protegido pela máquina de marketing poderosa da Disney, com certeza teria tido todo o sucesso de público que merece, e que um dia certamente poderá vir a ter, assim espero.

    Isso porque técnica, quando o assunto não é cinema live action, é tão importante quanto a própria história e quanto ao equilíbrio que deve existir entre o que é contado, e como a nós é narrado – algo cada vez mais raro nas produções contemporâneas, aliás. Lembro-me, já há dez anos, do encanto que a qualidade técnica atemporal de Wall-e arrebatou nas plateias, ao mesmo tempo que vislumbrou a todos nós pela forma sem diálogos e extremamente expressiva e autêntica que o drama romântico daqueles robôs na Terra, e no espaço carrega na alma e no corpo igualmente sublimes do filme, em si. Uma excelência que culminou no ápice da Pixar, e na sensação de uma obra tão naturalmente corajosa quanto as pinceladas de um certo alguém…

    É esse o efeito para com as percepções mais sensíveis que Com Amor, Van Gogh consegue expressar, de fato, indo contra o que críticos mais sisudos e aborrecidos acusaram o filme de ser: Uma mera desculpa com efeitos criados parecidos com aqueles filtros dos aplicativos de celulares. Verdades sejam ditas, por favor: Ocorre sim um certo esvaziamento na semiose da obra original do gênio, em prol do alinhamento racional da narrativa do filme sobre a vida do pintor holandês. Contudo, o fascínio pela técnica trabalhada aqui (55 mil fotografias, pintadas à mão por 100 artistas) permanece intacto enquanto forma não seduz ou corrompe a história, mas a complementa generosamente bem, ao invés de duelarem só para ver quem pode mais.

    Há, portanto, um certo balanço apaixonado e ultra romantizado buscado e alcançado, aqui, no casamento de uma dupla de fatores que nunca se afastam de um único princípio que a produção parece saber muito bem: Para uma história tão icônica, de uma figura tão icônica do mundo das artes, sem uma técnica realmente tão arrebatadora quanto, esta ode animada a tudo aquilo que seus quadros expressam ficaria redondamente incompleta, traindo o espectador afim de uma plenitude de sentidos a serem atestados. Não é o que acontece, em sequências de estupenda beleza total, do começo ao fim, a exclamarem o ponto de vista de um homem que sofria de uma (in)sanidade que o fazia observar o mundo da forma e na glória que finalmente conseguimos assemelhá-lo, também, até que Starry Night começa a tocar, na voz de Lianne La Havas, chegando para assolar os créditos derradeiros ao longo das lágrimas que nos brotam, por fim.

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  • Crítica | Mr. Turner

    Crítica | Mr. Turner

    mr. turner

    O Cinema está muito mais para a cozinha que para a pintura. É que assistir a um filme e analisá-lo remete, muito mais, ao exercício gourmet que as pinceladas e ao mero observar de um painel, até porque só observar Era Uma Vez no Oeste, por exemplo, não é o bastante: É preciso degustar a obra de Sergio Leone, aliás sua filmografia inteira se possível. Mas e o fazer Cinema? Nisso, talvez, seja possível juntar as duas artes. Cinema é tempero, é ponto certo, ou ponto propositalmente errado, pode ser ebulição, mas também é cor, é visual, é harmonia pictórica e o escambau. Tudo junto e misturado, no que compete aos grandes filmes, mas não no caso de Mr. Turner.

    O filme de Mike Leigh é de uma beleza acachapante, tanto que é possível até sentir o cheiro de uma direção de arte e belezas naturais que explodem na tela. Mas se o Van Gogh de Robert Altman se assemelha ao valor estético de uma obra do genial pintor dos girassóis, o filme de Leigh, no erro de separar o homem do seu ofício, não consegue se apropriar ou sequer plagiar a graça de A Erupção do Vesúvio, de 1817, um dos quadros mais célebres de um grande artista. Grande demais para ser estudado a partir do homem, e não da riqueza que se esconde por trás da obra.

    Quando Timothy Spall, soberbo e vencedor de Cannes pelo papel, olha pela janela de seu ateliê quente e terminal, em busca d’um raio de inspiração, a cena sintetiza, por ironia, a maior deficiência do filme: A incapacidade de olhar para dentro de si mesmo, do que comandava as mãos daquele pintor, e apontar a direção certa para o degustar de uma cinebiografia insegura, com muito para dizer, mas que se apoia mais na dialética não-crítica do mostrar. É o exato oposto de filmes como Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que, por mais interesses que carregava, falou mais do que mostrou, e também naufragou, feito outro dos quadros de Turner. Cinema é equilíbrio.

    Já a encarnação de Van Gogh por Maurice Pialat, em 1991, seja, talvez, o melhor “filme de pintor”. Acontece num espaço-tempo quando uma leve fidelidade aos fatos reais encontra uma condução perfeita, sem agressividades de nenhum tipo às vericidades do que é original, a fim de realçar tons e dar a outros um caráter mais abstrato, inclusive libertino. O bom gosto jamais é afetado pela vida inquieta do artista, mas pela interpretação livre tanto do homem quanto do seu ambiente – um trabalho europeu dos mais eloquentes, na razão de que qualquer arte submetida ao Cinema é naturalmente subvertida a sétima-arte, dado o poder de uma câmera diante de pincéis ou instrumentos musicais.

    O filme de 2014 muitas vezes não resiste e entrega quadros em movimentos, tamanho o espetáculo dos planos guiando-nos por uma visita ao museu das vaidades. Sim, pois é triste ver como Leigh deixa suas presunções dominarem momentos onde a liberdade criativa confunde-se com a ostentação de um cineasta já experiente, inclusive de suas manias, mas que deixa o filme à mercê de suas pompas e outros vícios. Cineasta ama brincar de Deus, e Mr. Turner não tem tempo pra transar; ele precisa criar e pintar quem está na cama o esperando; o mesmo diz-se de Leigh: não há tempo oportuno para cozinhar propostas na exposição de uma vida bem vivida. O diretor de Segredos e Mentiras é rápido e foca no icônico, e quando gira sua câmera ao coração e às artérias do artista, o filme perde totalmente seu fôlego. Foca tanto no expôr, de novo e de novo, que esquece o sugerir, o caro e valioso elemento do “pode ser”. E do jeito que foi feito para ser, Mr. Turner só não é um filme acadêmico dos mais caros porque Leigh, sabiamente, deixa Turner falar mais do que fala por ele.

    Eis a maior qualidade de uma cinebiografia, bem representada aqui. Seja como for, a meia hora final é como assistir, em slow motion, a alguém jogar baldes de leite em quadros de cores quentes. Nada se decompõe, mas a percepção emocional do “quadro geral” avisa-nos que, no contraste com a vida do pintor, não há muita energia restante na linguagem perto do fim. Estimular percepções é trabalho de mestre, triunfo que artistas do nível de Leigh ou do pintor britânico já atingiram, sem comparações de habilidade, mas pelo tempo de serviço, cada um em sua arte, cada um na sua época. O Cinema deve muito a Pintura, em especial ao pós-impressionismo de Gogh e Cézanne, mas pelo que de mais imensurável habite os painéis (nada gratuitos nas intenções) do nosso conturbado William (e que de fato se esconde), o visualmente belo Mr. Turner, tal várias teorias de comunicação e o cubismo cafona de Romero Britto, já nasceu ultrapassado.