A segunda temporada de Gotham começa com o pequeno Bruce Wayne (David Mazouz) e seu fiel tutor Alfred Pennyworth (Sean Pertwee) descobrindo um compartimento secreto na mansão Wayne. As cenas seguintes são do mais puro sensacionalismo, mostrando os personagens restantes do programa tendo sua rotina após o último season finale. James Gordon (Ben McKenzie) agora se junta a Leslie Thompkins (Morena Baccarin) como casal finalmente, ignorando por completo todo o cerne dos personagens do universo do Morcego assim como todo o cânone da DC clássica.
O antigo panteão do departamento de polícia está em franca decadência. Jim foi rebaixado a guarda de trânsito, Harvey Bullock (Donal Logue) se torna bartender e todo o conjunto de vilões é liderado por Oswald Cobblepot, que é interpretado pelo ator que supostamente roubou a cena de todo o programa para si, Robin Lord Taylor, mas que só que fez ser histriônico na verdade. O Pinguim aproveita a proximidade com o policial e faz dele seu agente infiltrado, lançando mão de seus dotes e tornando o futuro comissário em um mero capanga.
O segundo ano tem um bocado de coragem em comparação com o primeiro ano, apresentando mais gore, ainda que o escurecimento da fotografia tire bastante do impacto visual sanguíneo. No entanto, mesmo este aspecto positivo se dilui diante do núcleo do Asilo Arkham, onde está Barbara Gordon (Erin Richards) e o pseudo Coringa, Jerome Valeska (Cameron Monaghan). O pior fato da primeira temporada de Gotham segue como o aspecto mais estúpido desta, mostrando a personagem de Barbara de modo exagerado e completamente fora de tom, quase fantasioso de tão estranho, destoante de todo o clima urbano e verossímil pretendido.
A pobreza do texto segue viva e a tentativa para disfarçar isso é uma série de eventos que se sobrepõem, acreditando que a alta atividade fará o espectador acreditar que algo relevante está acontecendo, ainda que isso seja uma inverdade. O que realmente ocorre é uma miríade de enganações e trocas de poder no submundo, fazendo as figuras importantes da criminalidade, os insanos e até a polícia revezem-se entre o presídio de Blackpool, Arkham e o estado de fuga, pondo nessa bagunça narrativa o personagem de Gordon, Pinguim, Bullock e outros. Nem a criação do suspense em relação ao destino desses entes é respeitado, o status de homens dentro e fora da lei variam com uma velocidade tremenda.
Há dois plots importantes e um secundário nesta temporada, os importantes se cruzam, envolvendo a adição de Theo Galavan (James Frain) e sua bela irmão Tabitha (Jessica Lucas) ao conjunto de vilões – o subtitulo dessa temporada é Rise of the Villains – que resgatam os detentos de Arkham, para servir a si, e claro o retorno de Gordon ao corpo de policiais, exatamente para ficar no rastro dos fugitivos do sanatório. A terceira e mais mirabolante das tramas aborda o passado, mostrando a parte secreta da mansão e todo um aparato que Thomas Wayne tinha, exibindo não só um dom de premonição assim como uma tradição de vigilantismo, que certamente inspiraria o jovem Bruce.
Outra questão que aparenta ser importante é a de Jerome, um ítalo americano insano que acompanha Barbara para depois se tornar um dos principais capangas de Galavan. Todos os indícios apontavam ele como o palhaço do crime, mas sua vida é encerrada, para que haja uma mística em volta do Coringa, como se uma cultura fosse instalada a partir dali. Há até uma cena posterior a morte dele, mas não há desenvolvimento desta, restando apenas mais uma ponta solta sem qualquer possibilidade de resolução aparente.
A grotesca apresentação de Azrael começa com leves menções aos quadrinhos, fator até positivo dada a total galhofa da temporada, mas se encerra de maneira tola e infantil, abrindo a possibilidade de trazer de volta alguns vilões que já tiveram suas vidas encerradas, transformando assim o programa em uma péssima imitação de Resident Evil 5. A ideia de Rising of Villains não é só infantil mas também burra e desrespeitosa. Torna-se difícil avaliar qual das temporadas é a mais ofensiva, uma vez que o primeiro tomo foi fraco o suficiente para anestesiar o seu espectador para uma nova empreitada anual. A escolha dos produtores por fazer jus ao seriado do Homem Morcego de 1966 é tão errada que a identidade se faz perder por completo, já que as menções ao programa clássico é só na construção de alguns vilões, não em tom, pois Gotham não é uma comédia como era o seriado camp de Adam West e Burt Ward.
Por se tratar de uma adaptação de histórias em quadrinhos, é evidente que certas liberdades criativas seriam tomadas e é natural que seja mais cômodo e lucrativo para o criador Bruno Heller tomar por base algo que já faz sucesso. O grave problema de Gotham não está em mudar um detalhe ou outro, mas sim o de usar todo e qualquer pretexto que envolva toda a mitologia da cidade fictícia que dá nome a série para contar uma história boba, genérica e que defenestra anos de tradição. Um dos princípios básicos das histórias do cruzado encapuzado era a prerrogativa de que o conjunto de vilões loucos que assola o município teria tomado o lugar por causa da presença do morcego. A série inverte isso, mostrando cada personagem décadas antes do vigilante surgir, unicamente porque seria divertido brincar com isso, não há significado ou qualidade dramatúrgica que apoie a mudança, tudo soa gratuito e inoportuno, o que é uma lástima, em se tratando de um exploitation a respeito do Batman.