Reality Z aproveita da popularidade do gênero de zumbis para apresentar sua história. O seriado em parceria com a Netflix adapta a boa série britânica de zumbi Dead Set, do cocriador de Black Mirror, o produtor Charlie Brooker. Esta primeira temporada é conduzida por por Cláudio Torres, o diretor brasileiro conhecido por comédias como A Mulher Invisível e O Homem do Futuro, e pela série adulta, Magnífica 70, e conta com 10 episódio bem curtos.
A narrativa acompanha o dia a dia da produção de um reality show, chamado de O Olimpo, onde os corpos sarados dos participantes parecem ser mais importantes do que as ideias que cada um propaga. O cenário do Rio de Janeiro causa alguns momentos hilários dentro desse cenário pós apocalíptico.
Os episódios são dirigidos por Torres e Rodrigo Monte (de A Divisão), e mostram basicamente dois pedaços bem diferentes, com os primeiros cinco capítulos focado no modo como é feito o reality, tendo em Nina, de Ana Hartmann a protagonista. A moça trabalha em pequenas funções na produção, seus dias passam por gastar energia tentando suprir as necessidades dos confinados, enquanto tem que lidar com o diretor do programa, o Brandão de Guilherme Weber, além de procrastinar e de protagonizar um triangulo amoroso, que aliás, é apresentado de maneira genérica e sem importância.
O piloto possui muita informação, mostra a bagunça que existe dentro da estrutura do programa. Também alude a uma das famílias que seriam protagonistas na segunda metade, além de mostrar manifestações pelo Centro do Rio de Janeiro e crise na ALERJ, a casa estadual da lei no Rio. Além disso, também eclode a crise que faz os mortos voltaram a vida, basicamente mostrando que, independente dos planos da humanidade, não há o que fazer quando a natureza resolve sabotar a vida.
O timming para o lançamento desta produção não poderia ser mais favorável ao seriado. Além da pandemia por conta do Novo Coronavírus, da quarentena que faz parte da população sã mentalmente se isolar, ainda há uma grave crise financeira, então os paralelos todos com o roteiro. Além disso, graças ao isolamento social, o seriado se tornou mais relevante. Afinal, realities como o Big Brother Brasil se tornaram pauta de muitos consumidores e formadores de opinião e conteúdo. Mas o que se assiste – ao menos nesta primeira parte – é um pastiche tosco e moralista dos que consomem e fazem esse tipo de conteúdo.
A ideia de mostrar personagens que não são simpáticos é muito exagerada e tola, claro. O foco dado ao personagem de Weber por exemplo, assusta, pois ele é um sujeito vaidoso, temperamental e odioso, tão exagerado que seus atos que deveriam causar raiva só fazem rir. Até sua despedida é terrivelmente mal feita, e seus comentários a respeito de como funciona o mundinho dos reality shows também não fazem sentido, não encontram mais ecos com a realidade. É quase como se esses roteiros estivessem guardados por mais de dez anos, e fossem simplesmente gravados atualmente. Além disso, para uma obra que busca fugir do maniqueísmo, se apela demais para clichês, para formações de casais sem química, com destaque para os estereótipos terrivelmente bonzinhos de Nina, além de performances meia boca dos personagens de Sabrina Sato e João Pedro Zappa.
Outro aspecto estranho são as participações mais curtas de celebridades. O elenco é quase todo formado por ex intérpretes de Malhação, ainda que a maioria não seja exatamente ruim, há momentos de puro constrangimento, com aparições relâmpago de Jesus Luz e Leda Nagle. Essas inserções fazem perguntar qual era a intenção dos produtores, porque por mais que Torres saiba filmar cenas de ação – a maioria muito bem feitas, e violentíssimas – também há uma obsessão por uma estética trash que lembra as produções da Asylum, como Sharknado, que tinham aparições de “jornalistas” da Fox News e sub celebridades do White Trash dos EUA. Nem visualmente essa referência faz sentido, uma vez que os efeitos visuais e o gore são bem encaixados, a sanguinolência, as vísceras e o canibalismo cabem muito bem em tela, ao contrário dos tubarões em efeitos especiais baratos da cinessérie citada.
A partir do sexto episódio, entram em ação Ana e Leo, mãe e filho feitos por Carla Ribas e Ravel Andrade, além do núcleo liderado pelo deputado Levi (Emilio de Mello). A forma como os acontecimentos ocorrem emula os melhores momentos do ocaso visto nas revistas The Waking Dead do roteirista Robert Kirkman. O roteiro melhora demais, embora ainda hajam muitos vícios de linguagem que persistem aqui.
De positivo na série, há o pouco (ou nenhum) apego aos personagens. Alguns deles se desenvolvem bem, causam curiosidade no público sobre eles e tem suas vidas simplesmente ceifadas. Dentro da estética de zumbis, faz todo sentido que as coisas sejam assim. Ainda que isso não seja novidade, já que os quadrinhos de The Walking Dead e a série Game of Thrones também façam isso, ao menos há alguma coragem da parte da produção.
As curvas dramáticas dos últimos capítulos faz o quadro melhorar muito, especialmente no que toca dois personagens, Teresa (Luellen de Castro) e o Sargento Robson (Pierre Baitelli). Ambos estão em lados bem opostos da lei, e entre farpas, brigas e devaneios, vão se envolvendo e mostrando que são bem mais complexos que os fúteis participantes do game show da primeira metade de Reality Z. Os momentos finais desta temporada são cruéis e viscerais, apresentam bons conceitos, mas não há como descolar este trecho do restante da temporada, que em ultima análise, soa irregular e carente de identidade, como uma colagem de duas historias bem distintas, que não replicam bem as escatologias do material original, e que ganham muito mais fôlego e identidade quando contam apenas uma historia de apocalipse zumbi à brasileira.