Unindo grande parte dos que produzem o conteúdo para o canal de vídeos Porta dos Fundos, incluindo entre eles o diretor e corroteirista Ian SBF, além de grande parte do elenco, o longa Entre Abelhas remonta uma tragicômica jornada que discute causas sérias, apesar da face jocosa de seu principal astro, Fábio Porchat. O ator/comediante apresenta uma afetação poucas vezes vistas em sua extensa carreira, interpretando o melancólico – ao menos por momento – editor de vídeo Bruno, reforçando a aura de metalinguagem que permeia o roteiro.
Bruno se vê em uma situação calamitosa com o fim de seu casamento com Regina (Giovana Lancellotti) e a recente mudança para o quartinho no apartamento de sua mãe (Irene Ravache), tendo toda a configuração de sua rotina mudada, apesar dos esforços contínuos de seus amigos mais próximos. Para piorar a situação, sua contraparte semi-fraterna é vivida por Marcos Veras, que interpreta Davi, uma figura quase tão pedante quanto a carreira do assistente de palco de Encontro.
Em meio ao cenário caótico e depressivo que se tornou seu cotidiano, ocorrem eventos entrópicos, com lampejos de possíveis alucinações no dia a dia do rapaz. A câmera SBF o persegue, servindo como um stalker da situação, antevendo a questão que só seria revelada após muito tempo de tela, remetendo à solidão em que Bruno se meteria.
Porchat consegue imprimir uma atuação inspirada, sendo vívida dentro das limitações do próprio artista, que se vale dos próprios esforços no roteiro para não se expor além do devido. Sua persona invoca um homem comum, que se vê em uma situação estranhíssima, fazendo alusão a alguns maus modernos, entre eles a depressão, a sensação de isolamento e agorafobia. Aos poucos, o profissional de áudio visual vê as pessoas sumindo com uma incidência cada vez maior, e isso faz com que entre em pânico, lançando mão de uma gama de prováveis soluções, alternativas das mais esdrúxulas.
Os elementos visuais do roteiro ajudam a compor o belo quadro que se pinta. O uso contínuo do transporte público por parte do personagem, mesmo tendo ele um veículo, remete ao desespero por uma coletividade, o completo inverso da solidão que vive e que foi agravada pela nova “condição”. A sensação de que está em uma eterna transição também se manifesta através das caixas que ocupam a casa de sua mãe, nunca desfeitas, fruto da necessidade que têm de não aceitar seu novo estado conjugal.
O desespero de Bruno é tanto que ele faz algo impensável, e começa a se consultar com um psicanalista, com o qual trata de contar cada possível trauma de sua vida, tudo obviamente em vão. A negação do óbvio não garante qualquer alívio a sua alma, pelo contrário, só piora o teatro agridoce a que se submete, fazendo de seu oikos um palco para figuras bizarras e grotescas, mesmo aqueles que o cercaram a vida inteira.
Apesar da narrativa não usual, especialmente se comparada à carreira dos artistas, o filme corre bem. É curto e grosso em sua abordagem, mas transborda riqueza de detalhes em relação aos sentimentos, dissabores e emoções nele compreendidos. O final beira o inconclusivo. Mesmo diante da possibilidade de cura, o desfecho não consegue ser otimista, uma vez que a mostra de que alguma recuperação pode ocorrer se manifesta em uma pessoa que vende afeto, demonstrando a fala do psiquiatra de que o subconsciente de Bruno é quem escolhe quem some e quem fica, zerando todos os que não conseguem resolver sua carência. Diante das teorias, Entre Abelhas consegue ser cativante, empático e moderno, sem apelar para piadas fracas, nem pra maneirismos exagerados. Uma história tão comum que poderia ser verdadeira.