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  • Crítica | O Filho Eterno

    Crítica | O Filho Eterno

    o-filho-eternoO escritor Cristovão Tezza costuma comentar sua origem catarinense e a vida experimentada durante a maior parte de seus anos residindo no estado do Paraná. Quem ouve o detalhamento autobiográfico durante suas entrevistas explicando como se tornou escritor nem imagina que o maior desafio tenha sido justamente esse: expor a própria história nas páginas de um livro.

    E foi o distanciamento ao analisar o personagem em terceira pessoa que possibilitou o desenvolvimento de uma prosa honesta. Segundo Tezza, “o narrador tem que ser o sujeito que vende a mãe: ele não pode ter problema moral”. Por meio dessa concepção narrativa é que O Filho Eterno se baseia em sua experiência como pai de uma criança com síndrome de down.

    A vida inspirou um escritor; o escritor projetou um narrador; e o narrador despiu um protagonista que vai parar nas telonas a partir do dia 1 de dezembro. E é bom que estejam todos prevenidos quanto ao teor insensível no desenrolar inicial da trama, assim como o desfecho livre dos discursos clichês e autoajuda, sem dar margem para lições vazias sobre como lidar com a paternidade.

    Produzido por Rodrigo Teixeira e dirigido por Paulo Machline, a versão cinematográfica foi elaborada com a intenção de preservar alguma leveza de humor. Por isso a missão de interpretar o protagonista ficou a cargo de Marcos Veras — o típico humorista de stand-up que participou de vídeos do canal Porta dos Fundos, fez parte de alguns quadros do programa Zorra Total e acompanhou Fátima Bernardes em diversas manhãs do programa Encontro.

    Roberto é o personagem principal que se comporta de forma conflitante em relação às limitações impostas pela condição genética do menino Fabrício (Pedro Vinícius). Um pai que de longe parece uma pessoa vaidosa e seduzida pela vida descompromissada, abrindo mão das obrigações para usufruir da juventude. Seu perfil indiferente, imaturo e totalmente ausente é contrastante em relação às ideologias progressistas que conservou nos anos finais da ditadura brasileira.

    Todavia a sensibilidade e persistência de Claudia, uma mãe sempre presente no cotidiano do menino, é que estimula em Roberto o mais sincero amor pelo seu próprio filho. O fato que desemboca nessa mudança de perfil é o diálogo interpretado com perfeição pela atriz Débora Falabella, explicando como e quando passou a amar de verdade aquela criança tão sorridente que se divertia assistindo futebol na TV.

    Consta nessa história não só a confusão dos pais que queriam ver o filho tendo uma vida saudável, mas o registro de quem viveu sob a concepção retrógrada de tratamentos bizarros legitimados por péssimas bibliografias científicas (até que enfim superadas!). Por isso o filme exige flexibilidade do espectador para que compreenda aquele contexto histórico.

    Chamam a atenção os figurinos e cenários recheados de adereços oitentistas que se preservaram até o início da década de 90. A máquina de escrever como principal ferramenta de trabalho de Roberto, os carros com placas amarelas de apenas duas letras e pedacinhos do Centro Histórico de Curitiba que mudaram muito pouco nesses vinte ou trinta anos.

    O resultado final só pode ser bem avaliado se descartarmos essa cobrança pela fidelidade em relação à obra escrita, considerando que são dois trabalhos diferentes e com efeitos também distintos. Mesmo com a atuação de Veras surpreendendo positivamente, o filme se mantém num clima pesado que só se transforma da metade em diante.

    O ingrediente que torna a conclusão mais feliz é o hobby que o menino Fabrício preserva: assistir aos jogos da seleção. Nesse período da sua infância, a película acaba se parecendo em certa medida com O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias de Cao Hamburguer, gerando arrepios a quem ainda guarda a lembrança de Roberto Baggio errando o pênalti na final da Copa do Mundo de 1994.

    Texto de autoria de André Luiz Cavanha.

  • Crítica | Entre Abelhas

    Crítica | Entre Abelhas

    Entre abelhas 1

    Unindo grande parte dos que produzem o conteúdo para o canal de vídeos Porta dos Fundos, incluindo entre eles o diretor e corroteirista Ian SBF, além de grande parte do elenco, o longa Entre Abelhas remonta uma tragicômica jornada que discute causas sérias, apesar da face jocosa de seu principal astro, Fábio Porchat. O ator/comediante apresenta uma afetação poucas vezes vistas em sua extensa carreira, interpretando o melancólico – ao menos por momento – editor de vídeo Bruno, reforçando a aura de metalinguagem que permeia o roteiro.

    Bruno se vê em uma situação calamitosa com o fim de seu casamento com Regina (Giovana Lancellotti) e a recente mudança para o quartinho no apartamento de sua mãe (Irene Ravache), tendo toda a configuração de sua rotina mudada, apesar dos esforços contínuos de seus amigos mais próximos. Para piorar a situação, sua contraparte semi-fraterna é vivida por Marcos Veras, que interpreta Davi, uma figura quase tão pedante quanto a carreira do assistente de palco de Encontro.

    Em meio ao cenário caótico e depressivo que se tornou seu cotidiano, ocorrem eventos entrópicos, com lampejos de possíveis alucinações no dia a dia do rapaz. A câmera SBF o persegue, servindo como um stalker da situação, antevendo a questão que só seria revelada após muito tempo de tela, remetendo à solidão em que Bruno se meteria.

    Porchat consegue imprimir uma atuação inspirada, sendo vívida dentro das limitações do próprio artista, que se vale dos próprios esforços no roteiro para não se expor além do devido. Sua persona invoca um homem comum, que se vê em uma situação estranhíssima, fazendo alusão a alguns maus modernos, entre eles a depressão, a sensação de isolamento e agorafobia. Aos poucos, o profissional de áudio visual vê as pessoas sumindo com uma incidência cada vez maior, e isso faz com que entre em pânico, lançando mão de uma gama de prováveis soluções, alternativas das mais esdrúxulas.

    Os elementos visuais do roteiro ajudam a compor o belo quadro que se pinta. O uso contínuo do transporte público por parte do personagem, mesmo tendo ele um veículo, remete ao desespero por uma coletividade, o completo inverso da solidão que vive e que foi agravada pela nova “condição”. A sensação de que está em uma eterna transição também se manifesta através das caixas que ocupam a casa de sua mãe, nunca desfeitas, fruto da necessidade que têm de não aceitar seu novo estado conjugal.

    O desespero de Bruno é tanto que ele faz algo impensável, e começa a se consultar com um psicanalista, com o qual trata de contar cada possível trauma de sua vida, tudo obviamente em vão. A negação do óbvio não garante qualquer alívio a sua alma, pelo contrário, só piora o teatro agridoce a que se submete, fazendo de seu oikos um palco para figuras bizarras e grotescas, mesmo aqueles que o cercaram a vida inteira.

    Apesar da narrativa não usual, especialmente se comparada à carreira dos artistas, o filme corre bem. É curto e grosso em sua abordagem, mas transborda riqueza de detalhes em relação aos sentimentos, dissabores e emoções nele compreendidos. O final beira o inconclusivo. Mesmo diante da possibilidade de cura, o desfecho não consegue ser otimista, uma vez que a mostra de que alguma recuperação pode ocorrer se manifesta em uma pessoa que vende afeto, demonstrando a fala do psiquiatra de que o subconsciente de Bruno é quem escolhe quem some e quem fica, zerando todos os que não conseguem resolver sua carência. Diante das teorias, Entre Abelhas consegue ser cativante, empático e moderno, sem apelar para piadas fracas, nem pra maneirismos exagerados. Uma história tão comum que poderia ser verdadeira.

  • Crítica | Copa de Elite

    Crítica | Copa de Elite

    Copa de Elite

    Dirigido por Vítor Brandt, diretor da série Vida de Estagiário exibida pela Warner, esta comédia faz paródia com uma série de filmes nacionais, entre eles: Tropa de Elite, Bruna Surfistinha, Dois Filhos de Francisco, Se Eu Fosse Você, Nosso Lar, Minha Mãe é uma Peça De Pernas Para o Ar.

    O filme conta a história do capitão do BOPE Jorge Capitão (Marcos Veras), que passa de herói nacional a inimigo público número 1 após salvar o maior craque argentino de um sequestro às vésperas da Copa. Enquanto amarga a decepção por ter sido expulso da corporação e execrado pelo povo, fica sabendo por Bruno de Luca (ele mesmo) sobre a existência de um plano para assassinar o Papa durante a final da Copa. Para evitar o atentado, precisa reaprender a trabalhar em equipe e é auxiliado pela proprietária de um sex shop, Bia Alpinistinha (Julia Rabello); dois soldados, caricaturas de Matias e Neto de Tropa de Elite; um médium (Bento Ribeiro); além de sua mãe (Alexandre Frota).

    Impossível não pensar no personagem Frank Drebin, interpretado por Leslie Nielsen, tentando salvar a rainha da Inglaterra no primeiro Corra Que a Polícia Vem Aí. Mas a semelhança acaba aí, pois a qualidade do humor escrachado deste filme está anos-luz à frente de Copa de Elite, assim como o carisma tanto do protagonista quanto do ator que o interpreta. Os personagens secundários quase conseguem ser tão marcantes quanto o batalhão de Drebin, com destaque para Julia Rabello e Rafinha Bastos (Haters gona hate), lógico, mas se o espectador não tiver birra contra o humorista poderá se divertir bastante toda vez que seu personagem, René Rodrigues, estiver em cena.

    O roteiro nonsense consegue amarrar bem todas as referências aos filmes parodiados. Mesmo quem não assistiu a eles, entende as piadas. Logicamente que conhecê-los ou tê-los visto potencializa o efeito, apesar de não causar gargalhadas desbragadas no espectador. Em termos técnicos, a película não deixa nada a desejar para comédias americanas. Até mesmo os efeitos especiais conseguem não fazer (muito) feio.

    Talvez o filme seja um bom indício de uma aproximação entre a produção youtuber e o cinema, uma tentativa de colocar num formato mais extenso o humor rápido e conciso dos canais de esquetes, como o Porta dos Fundos. Mas ainda há muito chão pela frente até conseguir arrancar gargalhadas do público com a mesma eficiência dos vídeos da internet.

    Um parênteses: na cabine de imprensa, o único momento que fez a plateia rir para valer foi uma brincadeira com uma estatueta do Oscar “disfarçada” de Kikito. No restante do tempo, apenas uma ou outra risada esparsa.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.