Na crítica da produção brasileira A Busca, mencionei que, tradicionalmente, a composição de uma história – seja narrativa cinematográfica ou literária – transita de um ponto de arranque a outro, tendo, nesse caminho, uma série de acontecimentos que podem, ou não, transformar a personagem central.
Paralelamente a este estilo de história com uma intenção clara, há outras que se completam por um todo maior, como pontas que se apresentam a cada momento e que se unem somente no final.
Estas declarações servem como afirmativa de que, embora tenha reconhecido que O Som ao Redor produziu muitas críticas positivas, não fui capaz de, após assisti-lo, ou após refletir a respeito do que assisti, encontrar um significado que representasse o filme com toda sua dimensão.
Como infere o título, a trama parte de um bairro e faz dele uma personagem que permeia todas as histórias situadas na mesma rua. A sensação de invasão sonora é constante. É um dos longas brasileiros com melhor integração entre som gravado e ambiente que já assisti. Tem-se a sensação de estar inserido na cena ao reconhecer os barulhos cotidianos que estão presentes em qualquer ouvido de quem vive em uma metrópole. Essa identificação universal faz com que o público sinta que, mesmo sem uma história aparente, poderia ver seu próprio bairro refletido na história.
O longa é divido em quatro partes, apresentando o único elemento novo no bairro: um grupo de vigias que deseja trazer mais segurança aos moradores. A concepção de capítulos dentro de uma história apresenta com mais nitidez o conceito de que estamos acompanhando tramas, como capítulos, que chegaram a algum lugar somente em seu final. Porém, este desenlace parece desimportante, e um tanto senso comum, que nem parece ter sido considerado primordial na concepção de seu diretor.
O que mais se destaca são as relações estabelecidas pela história, mostrando como um grupo coletivo, mesmo vizinhos, tem seus problemas, amores e ódios. É a partir destes personagens, e do próprio bairro como um deles, que identificamos as intenções que não se mostram explicitamente. Um recorte da vida cotidiana que não esconde nenhum de seus lados.
Na recente polêmica entre Kleber Mendonça Filho e Carlos Eduardo Rodrigues, ex-diretor da Globo Filmes, sobre filmes comerciais ou não, vale afirmar que não há nada que transforme a trama de O Som Ao Redor em uma produção hermética. Sem dúvida pode afastar quem não está acostumado a uma narrativa que não se revela por completo, necessitando de uma observação mais atenta de que vê. Mas o problema, neste caso, não é da comerciabilidade ou não do produto, mas talvez de um público acostumado a ver histórias mais rasteiras e – como tem sido padrão em muitos cinemas brasileiros – em versões dubladas.