O texto de Procurando Encrenca é iniciado de forma nonsense, com uma discussão sobre a descoberta da verdadeira mãe de Mel Coplin, personagem de Ben Stiller. O método escolhido e a série de eventos que ocorre logo após isso é uma ótima forma de demonstrar o quão bagunçada é a vida do personagem e justifica toda a sua neurose, insegurança e conservadorismo em relação ao sexo. A inserção por parte do público é automática.
O elenco semi-estelar a época – com Tea Leoni, Patricia Arquette, Josh Brolin, etc – não esconde o caráter artesanal e barato da produção, tampouco o clima de comédia de situação, pervertida em muitos pontos, mas que transpira naturalidade e lugar comum: toda essa familiaridade aumenta o escopo do inesperado e faz as piadas inesperadas funcionarem ainda melhor.
Tudo é tosco, até a forma de Mel flertar com outrem é rudimentar e grosseira, além disto, as indiscrições ocorrem nos locais menos apropriados possíveis. Além do caráter proibitivo do namorico em primeira instância, o evento ainda é feito de forma agressiva e desmoderada – os filmes de Russell neste início de carreira têm uma temática em comum, grifando demais as tensões sexuais entre “entes proibidos”.
A busca de Mel por sua origem genética é uma manifestação da avidez que sente por fugir de sua antiga vida, repleta de neuroses e algumas outras anomalias mentais, mas nada poderia prepará-lo para a odisseica aventura que sofreria ao atravessar o país atrás de seus pais. Os múltiplos enganos ao tentar achar a real identidade de seus genitores é confusa, mas não é nada comparada ao road movie carnavalesco de relacionamentos ilícitos e inter-sexuais, a maneira como cada uma das pontas do “pentângulo” amoroso reage é diversa, mas o tom de quase todas elas é muito regado de cinismo e desfaçatez. O curioso é que o grito de moralidade que ocorre dentro dessa situação é de Paul (Richard Jenkins), um personagem que deveria ser a antítese disto, visto que é um homossexual que vive dentro de seu armário e que tem muito receio de se expor graças a profissão que exerce como policial – o que demonstra que apesar de sua orientação sexual, não é muito diferente de seus colegas de farda quanto ao conservadorismo em relação a questões ligadas a monogamia.
Os Schliting, verdadeiros pais de Mel – feitos pelos ótimos Alan Alda e Lily Tomlin – são absolutamente desequilibrados. A capa de superficial felicidade familiar esconde um passado marginal e uma rotina ainda pautada na ebriedade, no ácido, boemia e falta de lucidez mesmo nas atividades corriqueiras. O desequilíbrio que impera na vida de seus progenitores reflete nas atitudes de Mel, mesmo sem ter tido contato com eles durante sua vida, a insanidade parece estar impressa no DNA deles e cada um dos indivíduos enfrenta isso a sua maneira.
Ao final, a mãe adotiva de Mel vê com maus olhos a possibilidade de um casal gay criar uma criança, argumentando que tal cópula traria um conjunto de neuroses desnecessárias para um infante – o que é no mínimo curioso, diante do desequilíbrio emocional que ocorre com a matriarca dos Coplin. O tempo todo David O. Russell brinca com os estereótipos familiares e critica a hipocrisia ocidental, especialmente quando comparados os homens de família com os ditos desajustados. O guião comprova que a pretensa normalidade pregada pelo americano médio não garante uma psiquê saudável e livre das inconveniências da insanidade “moderada”.