Pensado em sua essência para estabelecer o diálogo com o público, que é representado por seus personagens principais, Que Horas Ela Volta? apresenta um drama real e comum, cuidadosamente orquestrado pela diretora Anna Muylaert, a mesma do surpreendente Durval Discos, e do simpático Obrigado Por Fumar. O filme, protagonizado por Regina Casé, representa um passo à frente na carreira de todos os envolvidos na produção do longa-metragem, resultando em um texto sólido e uma atuação assustadoramente sóbria da apresentadora global.
Val é uma retirante que no início do filme é enquadrada em cenas turvas ou de costas, numa representação que une a impessoalidade de sua profissão, como cuidadora e babá, e um modo de fugir da dificuldade em maquiar Casé para simular uma drástica passagem de tempo. Já nos primeiros minutos é estabelecida uma profunda carência, tanto da protagonista quanto da criança da qual esta cuida, o jovem Fabinho – que na fase moderna seria representado por Michel Joelsas –, ambos sem as figuras de adulação que gostariam de ter por perto: a mulher sentindo falta de Jessica, sua filha que ficou no Nordeste, enquanto o rapaz pergunta a que horas sua mãe voltaria.
Na fase atual, Val é tratada a priori com muito respeito por parte de seus dois patrões Barbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli), um casal de condições financeiras abastadas, que tem um ideário bastante diferente: a esposa histriônica e esnobe profissional de moda, e o marido um homem rico, depressivo e de gostos artísticos refinados. A construção das personagens é baseada em homens e mulheres comuns e seus arquétipos, algo que para o espectador mais ranzinza pode significar simplismo. No entanto, essa representação tenta atingir avatares universais para alcançar o maior denominador comum, uma ponte de fácil travessia para o público retratado, facilitando a compreensão para o espectador mais simples, mas sem subestimá-lo.
A chegada de Jéssica (Camila Márdila) a São Paulo, para prestar vestibular para uma faculdade muito concorrida, mexe com a rotina de todos, especialmente com o ideário de Val. A herdeira é o exato oposto de sua matriarca, uma moça inteligente, contestadora, que não aceita a divisão de classes, algo que faz obviamente entrar em rota de colisão com o pensamento de Bárbara, estabelecendo uma relação que se deteriora a cada momento, de modo gradativo e fluído.
Os temas discutidos são maduros, mas seu discurso não possui qualquer intenção de parecer panfletário ou gratuitamente culposo para as figuras da classe média alta brasileira. O estabelecimento da hierarquia é realizado com uma certa dose de crueldade, no entanto é pouco ácido, visto que não é necessário vilanizar ou demonizar as figuras que exploram o proletariado, para não desumanizar os que se valem do esforço alheio mal remunerado para ter seu conforto. Os abusos são muito mais emocionais e certeiros do que os dos folhetins mexicanos, com causas, brigas e efeitos bastante condizentes com a realidade.
Que Horas Ela Volta? é um singelo conto de solidão, submissão e subversão de conceitos, onde o instinto de sobrevivência é louvado, mas ainda assim bastante discutido. A trajetória de Val, Jéssica e tantas outras mulheres é mostrada de um modo simples, tocante, emocional e realista, referenciando em tela o universo de tantos brasileiros da parte norte e produzindo alguns pequenos momentos de vingança. A obra apresenta uma trajetória edificante e de franca evolução, a despeito de um breve apelo à suspensão de descrença, o que evidentemente não compromete a ternura da história.
Felipe, eu fiquei excitado naquela cena do ônibus, em que Val fala de memórias das festas que ia no Largo do Batata, dá pra sentir o afeto que ela tem com essas lembranças, e ao mesmo tempo o inconformismo com o que fizeram no lugar: derrubaram e cobriram com concreto seu patrimônio histórico.
Nada mais brasileiro do que a história do filme.
Se os nossos abolicionistas retornassem iriam dizer que nada mudou.
As relações da vida privada descritas em Casa Grande e Senzala ainda estão presentes de formas várias assimiladas com a contemporaneidade.
No exterior encaram o filme como uma obra do cinema absurdo ou até mesmo surreal.
Tanto espanto é porque os donos da “casa grande” não levantam da mesa para pegar uma água e nunca lavam o que os próprios sujam. Ter uma pessoa para lavar, passar, limpar privada, pôr a mesa, retirá-la e ainda ser babá é coisa para milionário no velho mundo.
Parece absurdo porém não é. No Brasil, qualquer família com renda média se quiser pode contratar esse tipo de serviço. Muylaert escolheu a classe média alta paulistana. Poderia ser a pequena burguesia carioca, baiana, paraense. A relação de mando e subserviência é a mesma.
Os patrões da casa, assim como descreve Gilberto Freyre relatando os senhores de engenho, são bondosos e consideram os criados como “quase da família”, tem nas criadas objeto de posse afetiva,serviçal e principalmente sexual. Mas tal generosidade tem limites curtos, caso este seja ultrapassado é confinamento da cozinha à área de serviço, outrora era a chibata. Tudo o que a personagem de Jéssica faz — de forma sutil — é contestar o seu lugar determinado socialmente.
Muylaert consegue mostrar como a naturalização do servilismo está profundamente fossilizada em nossa cultura. Os personagens são descolados. O patrão é artista, atencioso, usa camisa de bandas da cena atual, parece bem informado, a patroa é envolvida com moda, de início se mostra solidária e o filho deles um rapaz gente boa. Não temos personagens embrutecidos, mas mesmo desta forma não conseguem sentir constrangimento em por à empregada em um quartinho que mal cabe uma cama, sem ventilação e ter um quarto de hóspedes confortavelmente vazio.
O filme é otimista, assim como eu declaro que irá faltar empregadas! Ou se paguem o justo. imagina as horas extras de quem dorme no serviço hein?
Aos poucos o ciclo de bisavós, avós e mães trabalhando como domésticas está se acabando.
Nada mais brasileiro do que a história do filme.
Se os nossos abolicionistas retornassem iriam dizer que nada mudou.
As relações da vida privada descritas em Casa Grande e Senzala ainda estão presentes de formas várias assimiladas com a contemporaneidade.
No exterior encaram o filme como uma obra do cinema absurdo ou até mesmo surreal.
Tanto espanto é porque os donos da “casa grande” não levantam da mesa para pegar uma água e nunca lavam o que os próprios sujam. Ter uma pessoa para lavar, passar, limpar privada, pôr a mesa, retirá-la e ainda ser babá é coisa para milionário no velho mundo.
Parece absurdo porém não é. No Brasil, qualquer família com renda média se quiser pode contratar esse tipo de serviço. Muylaert escolheu a classe média alta paulistana. Poderia ser a pequena burguesia carioca, baiana, paraense. A relação de mando e subserviência é a mesma.
Os patrões da casa, assim como descreve Gilberto Freyre relatando os senhores de engenho, são bondosos e consideram os criados como “quase da família”, tem nas criadas objeto de posse afetiva,serviçal e principalmente sexual. Mas tal generosidade tem limites curtos, caso este seja ultrapassado é confinamento da cozinha à área de serviço, outrora era a chibata. Tudo o que a personagem de Jéssica faz — de forma sutil — é contestar o seu lugar determinado socialmente.
Muylaert consegue mostrar como a naturalização do servilismo está profundamente fossilizada em nossa cultura. Os personagens são descolados. O patrão é artista, atencioso, usa camisa de bandas da cena atual, parece bem informado, a patroa é envolvida com moda, de início se mostra solidária e o filho deles um rapaz gente boa. Não temos personagens embrutecidos, mas mesmo desta forma não conseguem sentir constrangimento em por à empregada em um quartinho que mal cabe uma cama, sem ventilação e ter um quarto de hóspedes confortavelmente vazio.
O filme é otimista, assim como eu declaro que irá faltar empregadas! Ou se paguem o justo. imagina as horas extras de quem dorme no serviço hein?
Aos poucos o ciclo de bisavós, avós e mães trabalhando como domésticas está se acabando.