Em comemoração aos 50 anos do Homem Morcego, a DC Comics procurou uma maneira inédita de celebrar. Deu ao público o poder direto de escolher o destino de uma personagem. Cientes de que o aniversário perderia seu destaque com uma decisão de pequeno calibre, coube aos leitores definirem se o personagem de Jason Todd, o segundo Robin, viveria, dando sequência às histórias da dupla dinâmica, ou morreria, acrescentando novo elemento dramático à frágil psiquê de Batman.
Nas palavras de Denny O´Neil, até então a DC Comics mantinha o diálogo com seus leitores por cartas e conversas em convenções. Quaisquer decisões feitas pela editora seriam recebidas, criticadas ou não, aos poucos, conforme ocorre o natural feedback das leituras. Seria um feito inédito para o público escolher ativamente o destino de uma personagem e, em uma votação feita por telefone, a sentença foi dada a favor da morte de Jason Todd.
Em março de 1983, Jason Todd fez sua primeira aparição na revista do morcego. Em época pré-Crise Nas Infinitas Terras, a origem da personagem era muito semelhante a do primeiro Robin, Dick Grayson. Uma redundância desnecessária e modificada na estrutura pós-Crise. Jason manteve-se órfão, mas, dessa vez, é encontrado nas ruas tentando roubar os pneus do Batmóvel. Mesmo que Todd tenha personalidade diferente da de Grayson, o Morcego decide adotar o garoto e treiná-lo para assumir o manto de menino-prodígio. Três anos após esta reformulação, a personagem não era aceita pelo público como era o Robin anterior. A decisão natural foi procurar modificar a caracterização do garoto. Porém, dessa vez, com a escolha centrada nas mãos do público.
Ao observar o passado da personagem e as histórias que surgiram a partir deste acontecimento, a morte de Jason Todd teve saldo positivo. Promoveu mais uma fissura no espírito fragilizado de Batman, evidenciando contornos sombrios que sempre estiveram presentes no herói. Porém, como uma saga comemorativa de 50 anos, o arco Morte Em Família – publicado no país pela Abril também como A Morte de Robin – é fraco e nada memorável.
Mesmo que o desenlace tenha sido escolha do público, o roteiro de Jim Starlin não parece ter estudado previamente a motivação destes acontecimentos, tanto a curto prazo, nas histórias seguintes à morte do Robin, como a longo prazo, em um futuro que seria possível prever um terceiro Robin. Como um todo, o arco parece feito ao acaso, costurado de maneira inverossímil, como se minutos após o encerramento das votações que escolheram um fim para Todd, surgisse nas bancas a história completa.
Se a personagem era odiada pelos leitores, parece que não foi bem recebida também pelo roteirista, tamanha precariedade que compõe esta história derradeira. O fim de Jason Todd inicia-se em seu passado. Após ser afastado do cargo por excesso de violência, o garoto retorna à sua antiga casa e recebe de uma vizinha documentos antigos dos Todd, descobrindo em sua certidão de nascimento que a mãe com a qual conviveu em seus anos não era sua mãe verdadeira. Resta-lhe como pista apenas a inicial do nome de sua possível genitora. Ao cruzar os dados de cadernetas do pai com os dos computadores da Batcaverna, o garoto sai em uma viagem ao Oriente Médio à procura de sua matriarca. Em paralelo à investigação de Jason, o Coringa, preso desde o acidente com Barbara Gordon, foge do Asilo Arkham. Após ter seus bens retidos pelo governo, procura um míssil em um de seus esconderijos ocultos e tenta vendê-lo a terroristas libaneses.
A utilização do argumento estrangeiro parece um recurso fácil para desenvolver uma história. É comum observarmos que muitas sequências, principalmente de filmes, valem-se de uma ambientação não habitual como forma de apresentar novidade. A composição de coincidência do roteiro é exagerada até mesmo para uma história em quadrinhos, uma das artes que mais abusa das casualidades. O retorno do Palhaço do Crime é apenas um elemento a mais para celebrar o aniversário de Batman. Um vilão com muita presença que não poderia ficar de fora de uma história que deseja ser épica. Se normalmente seria difícil arquitetar um retorno que fosse sustentável após a triunfal narrativa A Piada Mortal, composta por Alan Moore, torna-se ainda mais precário utilizar a personagem somente por seu status de grande vilão.
Investigando o passado, Robin encontra-se na mesma região, o Oriente Médio, para onde Coringa e Batman também viajam a fim de conter a situação. Neste ambiente convergem os acontecimentos trágicos. Composta em seis partes, a saga Morte em Família apresenta um único capítulo capaz de sustentar uma carga dramática. Neste, à procura de Jason, Batman faz uma mea culpa e revê a sua trajetória ao lado de seu companheiro atual, admitindo a insensatez de colocá-lo como ajudante. Um suspiro de profundidade para uma trama que parece ocorrer ao acaso.
A presença de Coringa, com a motivação de vender um míssil para um terrorista, parece improvável. Ainda mais se indagarmos como é possível que um bandido do submundo de Gotham consiga manter contas em banco reconhecidas pelo governo para, já na prisão, ter seus bens congelados. Mesmo que seja possível inferir o uso de “laranjas” em suas transações, ainda é improvável imaginar o Palhaço sem um ás na manga que lhe dê o dinheiro necessário sem precisar revender um míssil no exterior, desmontá-lo-o e montá-lo novamente no local. Elementos absurdos até mesmo para uma personagem anárquica e insana.
Muitas coincidências permeiam a narrativa. Batman encontra Robin na cidade, pois ambos estão no mesmo hotel. A possível mãe de Jason está envolvida com o submundo, coincidentemente chefiado pelo Coringa. Uma história que, vista com distanciamento, demonstra sua gigantesca falha em ser épica, sendo uma referência apenas pela morte em questão.
Como é necessária uma história marcante, Superman aparece nos capítulos finais como apoio a um Bruce Wayne desolado e com desejos de vingança. Porém, nada é mais inexplicável do que a reviravolta que faz de Coringa o novo embaixador do Irã. O capítulo em questão não só demonstra o desgaste do arco que poderia encerrar-se antes como também exagera no absurdo. Como se a possível vingança do Homem Morcego fosse maior do que a dor de ficar de luto por mais um amigo falecido.
Como marco, Morte em Família falha miseravelmente. Parece ser uma história que tenta agradar ao público, unindo personagens conhecidas e um desfecho escolhido para elas. Como se a mera presença das personagens fosse suficiente para uma grande aventura, ainda que sem um argumento que tenha uma coerência mínima e o suspense ou drama adequados.