Dentre os diversos seres místicos e mitológicos fundamentados através dos tempos, e em diversas caracterizações, os vampiros são aqueles que se tornaram mais populares. Sempre retratada em produções diversas, desde a mais clássica, como no romance de Bran Stoker, a adaptações contemporâneas de drama e terror, a figura do vampiro se destaca por sua essência, normalmente vista como um amaldiçoado que, distante da luz do sol, deve sobreviver de sangue alheio. Muitas criações transformaram-no em seres góticos e estilosos, uma caracterização física que também tornou-se comum. O apelo de seres vampirescos é inegável, mesmo quando estão presentes em obras denegridas por muitos leitores, caso de Crepúsculo.
O roteirista Steve Niles, de Spawn, e o desenhista Ben Templesmith produziram uma genuína obra de terror que tem como enfoque os sugadores de sangue. Boa parte da potência narrativa está em sua ambientação, na pequena cidade de Barrow, Alaska. Um local isolado que, não coincidentemente, permanece trinta dias sem a luz solar. Essa difícil passagem de tempo é considerada como um dos momentos mais rígidos entre seus moradores, e desta forma até mesmo bebidas alcoólicas são proibidas nesse período. Quando o último pôr do sol traz escuridão para o local, um grupo de vampiros surge para atacar a cidade.
A arte de Templesmith é bem diferente do que leitores de quadrinhos estão acostumados. São traços suaves que beiram a abstração, como se estivéssemos diante de telas de pintura em que a cor preta predomina, e algumas pinceladas dão os traços às personagens e contam a história. Esta percepção aguça a sensação de uma trama atmosférica, um conceito presente em outras histórias de terror representadas aqui pelos traços escuros e não muito definidos, dando-nos impressões sobre cada acontecimento. Quadros que, mesmo que sejam objetivos, ainda merecem observação e interpretação do leitor.
Sem delongas, a trama segue a história de um grupo que tenta sobreviver até a chegada do sol. Aos poucos, a tribo vampiresca desola o local e a fome e o cansaço deixam os habitantes cada vez mais ilhados no meio do medo e da escuridão. Os vampiros são caracterizados como caçadores, um grupo que, mesmo mantendo uma certa estética visual, é formado por animais à procura de alimento. O encontro em Barrow foi realizado após uma pesquisa do melhor local para caçar sangue humano. A tensão dos humanos se expande também para o grupo de vampiros, com a chegada de um chefe local que considera incoerente um massacre em uma cidade desolada quando, por muitos séculos, os vampiros tentaram manter-se às escondidas. Demonstra-se, assim, o quanto esta história ainda segue a tradição do mito do vampiro fundamentado por narrativas anteriores.
Mesmo neste jogo de sobrevivência, o final cede para o conceito da personagem herói, simbolizada por Eben, o xerife da cidade. Cabe à personagem se assumir como aquela que destruirá os vampiros, modificando um pouco uma trama de terror. Por outro lado, diante de uma situação limite como essa, é difícil encontrar uma saída satisfatória que não fosse heroica. Assim, mesmo com um recurso comum, a história mantém sua coerência e produz um breve drama antes do fim.
A edição da Devir não apresenta os dados de cada edição, dando-nos a impressão de que se se trata de uma série única, quando, na verdade, é composta por três edições americanas. Lançado em papel brilhante couché, o material da edição é um acerto em razão da arte escura da obra, que ficaria incompleta ou apagada em um papel de qualidade inferior. Uma arte que merece ser apreciada tanto pela competência do desenhista como pela capacidade de se fundir com a história narrada, e também representar a atmosfera agonizante do local.