Quando a primeira série de Demolidor (Daredevil Vol. 1) foi cancelada em Outubro de 1998, A Marvel encerrava uma revista que passara por fases áureas, marcadas desde a concepção de Stan Lee até a fase clássica e definitiva de Frank Miller. No mês seguinte deste, foi iniciado um segundo volume. Kevin Smith desenvolveu o começo de uma das revistas mais coesas do estúdio em uma trama que colocava a fé de Matt Murdock em xeque. Em seguida, David Mack levou ao extremo o conceito gráfico dos quadrinhos e ainda criou Echo, uma personagem em contraponto com Demolidor, interpretações distintas de alta qualidade.
Quando Brian Michael Bendis assumiu o roteiro da revista, o autor ainda não havia começado suas modificações estruturais diante dos Vingadores e se dedicou ao Homem Sem Medo pela afinidade anterior como leitor. Relançado pela Panini Comics em edição de luxo, Revelado apresenta o primeiro volume da fase de Bendis ao lado do desenhista Alex Maleev. Reunindo as edições #26 a #40 de Daradevil Vol. 2, uma reedição que, devido ao sucesso no país, receberá um segundo encadernado de três lançados no exterior contendo toda a fase da dupla.
A boa base desenvolvida por Smith e Mack nesta nova fase do herói permitiu que Bendis iniciasse sua longeva passagem pelo título em alta potência, implodindo conceitos base de suas personagens centrais. O Rei do Crime é assassinado em um plano de traição por parte de um novo integrante de seu grupo, encerrando, a princípio, o legado de um dos grandiosos vilões de Demolidor. Ao mesmo tempo, a identidade de Matthew Murdock é revelada pela imprensa.
Sem apelar para novos personagens para causar um conflito, o argumento parte da concepção da identidade para promover sua narrativa. Um tema que se tornaria fundamental para sagas futuras da Marvel, discutindo o papel do herói dentro da sociedade. A morte do Rei do Crime e a revelação do alter-ego de Demolidor são dois pares contrapostos que simbolizam percepções destruídas; Para o vilão, a ruptura de sua visão invencível, destruída a facadas em um ato violento por seu próprio séquito; ao herói, a necessidade de optar por uma abordagem entre o advogado que vive sob a lei e o vigilante que a distorce. Atos que derrubam o status conhecido das personagens e, por consequência, atingem o leitor em cheio.
O roteirista explora a faceta urbana da personagem e insere este conceito na condução narrativa com personagens realistas presentes no cotidiano da cidade, um efeito que projeta Demolidor em um universo levemente diferente daquele tradicional da editora. Os traços de Alex Maleev se encaixam com perfeição a esta visão, explicitando a sujeira da metrópole em uma palheta de cores sempre escura em que quase não há cores claras. Uma ambientação desolada que reforça a importância de Murdock como advogado e de Demolidor como herói.
Além da inversão inicial do status dos personagens centrais da revista, o roteirista demonstrou que traçava a longo prazo um plano para Demolidor ao não transformar esta primeira história somente em uma trama de impacto para conquistar um novo público. Suas modificações iniciais causaram consequência para a personagem e elas foram exploradas em facetas diversas no decorrer de sua passagem pelo título.
Demolidor: Revelado apresenta, além desta grande história inicial, uma trama em três partes, O Julgamento do Século, focado na faceta da personagem como advogado. Uma pausa necessária após uma mudança significativa e suficiente para explorar como a figura de Murdock se torna impopular devido a sua ligação explícita com um herói. Bendis e Maleev promoveram uma parceira perfeita, integrada entre roteiro e desenhos, em uma excelente história, marcada como mais um ponto alto do Homem Sem Medo.