O projeto Graphic MSP, nascido da iniciativa de seu editor, Sidney Gusman, em conjunto com Maurício de Sousa, consiste na releitura desses personagens por outros autores em uma linguagem diferente daquela habitualmente apresentada. Pode-se dizer que se trata de uma forma de captar os antigos fãs que envelheceram, propor novas formas de escrever as personagens ou mesmo proporcionar novos contextos e abordagens para figuras que já estão mais do que enraizados no imaginário nacional. Além disso, esse projeto proporcionou uma grande exposição dos artistas nacionais envolvidos no projeto.
Dentro desta proposta uma das histórias apresentadas foi Ingá, do artista paraibano Shiko (Francisco José Couto Leite), que buscou uma releitura do Piteco, o carismático homem das cavernas de Maurício de SouSa. Além de “Ingá” o autor se destaca com outras obras como a adaptação do romance O Quinze, O Azul indiferente do Céu e Lavagem, já foi ganhador do Troféu HQ Mix e do prêmio Angelo Agostini, além de já ter participado de várias mostras nacionais e internacionais.
“Ingá” se destaca em vários âmbitos e possibilidades, mas o primeiro deles é a contextualização e caracterização dos personagens. Piteco é um homem das cavernas muito parecido com o estereótipo padrão deste tipo de personagem – clava na mão, vestido com peles e um jeito rústico. O principal mérito do autor, ao meu ver, foi o de trazer o personagem para algo mais factível, adulto – conforme a própria proposta das graphics – e próximo da pré-história brasileira (termo polêmico esse, como existe algo antes da história? Mas deixa pra lá…). Shiko transforma Piteco, o homem das cavernas genérico, em uma espécie de participante de tribo indígena brasileira que viveu por volta de 5 mil anos a.C. fazendo com que a personagem passasse a possuir uma identidade mais plausível para um público mais velho e próximo de nossa realidade.
Aliás, próximo da realidade do próprio autor, uma vez que a história se passa na Paraíba: o título Ingá se refere a Pedra do Ingá, monumento arqueológico repleto de arte rupestre e importante marco da arqueologia brasileira. Em outras palavras, Piteco passou a ter um lugar entalhado em nossa história. O próprio roteiro está intimamente ligado a esta arte rupestre, quase como uma livre interpretação do autor sobre o significado daqueles símbolos, uma vez que ainda não há consenso entre os estudiosos sobre esse tema. A arte complementa muito bem todo esse panorama, pois apresenta um traço mais real, menos cartunesco, fugindo da concepção de Maurício de Sousa, e apresentando uma leitura inovadora que representa muito bem a personagem.
Outro destaque é a forma como o autor utiliza de elementos indígenas como o Arapó-Paco (representação do Curupira na história), M-Buantan (mais conhecida como Boitatá), Anhanguera, que possui vários significados, mas aqui tratado como um imenso pássaro voador, enfim, se apropriando de um conjunto de mitos para aproximar e dar mais consistência para o antigo Piteco.
Poderia ainda ficar escrevendo por muito tempo sobre as virtudes de Piteco: Ingá, mas o melhor que posso fazer é indica-la fortemente. Certamente uma das melhores releituras de personagens de Maurício de Sousa até hoje.
Compre: Piteco – Ingá.
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Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.
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