Meu avô foi a primeira pessoa que me falou sobre Tex Willer. Apesar de ávido leitor de livros, as histórias do personagem criado em 1948 por Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini talvez sejam os únicos quadrinhos que ele leu. Não me recordo dele falando de algum outro. Li algumas vezes quando era bem novo as revistas que tinham na minha casa e depois nunca mais. Até que recebi O Herói e a Lenda. Antes de ler, procurei algumas histórias icônicas do personagem para melhor compreender todo o seu universo, afinal, meu contato com os fumetti do Tex se deu na infância. Fica difícil lembrar de coisas lidas há mais de 20 anos e uma breve recapitulação foi necessária para que ao menos eu pudesse compreender melhor a graphic novel de Paolo Serpieri.
A primeira coisa que percebi, foi que essa história se diferenciava dos tradicionais fumetti da Bonelli. Tex aqui é bem mais violento e mata os seus inimigos sem o “romantismo” de salvar uma vida em perigo ou a sua própria. Confesso que foi um choque, mas dentro do contexto da história, funciona muito bem. As ilustrações do mestre Serpieri são de uma beleza e precisão ímpar, visto que são anatomicamente perfeitos e enchem os olhos do leitor. O autor intercala beleza e brutalidade numa naturalidade que impressiona. As cenas de batalha então são quase storyboards ultra detalhados de algum faroeste dirigido por um John Huston ou um Sergio Leone. Quando retrata ambientes fechados, insere o leitor no local, provocando um verdadeiro deleite visual.
Tudo isso casa perfeitamente com o roteiro do próprio autor. Seu roteiro é rápido e preciso, mas nem por isso apressado. Usando metalinguagem de uma forma muito interessante, Serpieri introduz um velho Kit Carson retratando sua história para um jovem jornalista. Porém, em nenhum momento Paolo deixa claro se aquele ali é o verdadeiro Kit amigo de Tex, um impostor, se a história é verdadeira ou mesmo se estamos diante do Kit Carson histórico que viveu no século XIX. O autor provoca questionamentos sobre as versões da verdade e a forma de cada um enxergar de forma peculiar os eventos que testemunham. Serpieri joga com a figura do narrador não confiável de uma forma que intriga e instiga o leitor, ao mesmo tempo que não esquece das características principais de Tex Willer. Pros leitores mais antigos é uma experiência fascinante, pois abandona o caráter um tanto quanto ingênuo e paladino do personagem e abraça com força uma personalidade de múltiplas facetas que não ofende a sua mística, apenas o torna mais humano. A moral e a ética de Tex permanecem ali, só estão mais palatáveis.
Ainda que no editorial escrito por Mauro Boselli exista um esforço para delinear que essa é uma história que acontece em uma espécie de universo alternativo, Tex: O Herói e a Lenda é mais do que obrigatória para os fãs do personagem. Além de tudo que foi ressaltado acima, a graphic novel conta um ótimo texto introdutório que enumera fatos históricos, além da história brilhantemente contada que possui um final tão bom que serve para potencializar tudo o que foi lido.